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As múltiplas dimensões da História: uma saudação ao futuro e ao passado

Atualizado: 15 de out. de 2020

 

Ao chegarmos ao término do ano que passará à História como o da Revolução Brasileira, dirijo-me a todos os brasileiros, sem exceção, sejam quais forem as suas crenças, ideias ou condições, para lhes manifestar o reconhecimento da Nação e do Governo pelo decidido apoio com que nos honram. Em verdade, somente pela espontânea colaboração recebida dos diversos setores do país foi-nos possível, em tão breve tempo, iniciar a transformação da vida nacional.

Embora não pretendamos a oportunidade para uma prestação de contas, pois estas as temos prestado, parceladamente, em várias ocasiões, nem por isso deixamos de considerar o momento propício para assinalar o que se fez e o que se obteve em 1964.”

Castelo Branco. “Saudação ao povo no limiar do ano novo” (31.12.1964)

Há exatos 52 anos, o general Castelo Branco iniciava aquele que seria seu primeiro discurso de “Saudação ao povo no limar do ano novo”. Estávamos em 1964. Era o dia 31 de dezembro. Castelo Branco voltaria a recorrer a prática tão comum em seus pronunciamentos: o apelo retórico sem respaldo em ações concretas. Nas sete páginas de seu discurso, o general falaria em “respeito aos direitos”, “justiça social”, “liberdade”, “democracia” e “futuro”. Essencialmente, o discurso procurava apresentar um balanço dos oito meses que separavam o início de 1965, do golpe civil-militar que havia encerrado a experiência democrática, inaugurada em 1946; e, sobretudo, agradecia o sacrifício de homens e mulheres “que, malgrado as dificuldades de cada qual, acreditam nas perspectivas do futuro”.

Passadas mais de cinco décadas, parece correto afirmar, como alguém já o fizera, que havia mais futuro no passado. Com o olhar voltado para as cinco décadas que nos separam da “revolução gloriosa”, instigado por preocupações do tempo presente, parece correto afirmar que o golpe, que levaria Castelo Branco à presidência da República e, a ditadura militar que desde então seria instalada no país, representam os episódios centrais para o entendimento do complexo quadro político e social de nossa realidade.

Essa noção explica nossa iniciativa em criar o site História da Ditadura: nosso objetivo é oferecer um espaço virtual destinado a todos os interessados pela história recente do Brasil; é oferecer ao público mais amplo os mais diversos enfoques teóricos acerca da história desse período. Conforme assinalamos em texto anterior, nós somos um grupo de historiadores que resolveu se reunir para divulgar o que já foi produzido sobre a história da ditadura militar brasileira e também registros da época em seus vários formatos (documentos oficiais, fotos, vídeos, publicações da imprensa, depoimentos, obras artísticas, entre outros).

O site História da Ditadura pretende ser um espaço no qual novas formas de se analisar esse período da história brasileira possam florescer. Para isso, ao longo dos últimos três meses, com sucesso, fomos capazes de organizar uma rede com a colaboração de outros profissionais das áreas das ciências sociais e humanas. Os textos produzidos por nossos colaboradores são, na maior parte dos casos, resultado de rigorosas pesquisas acadêmicas, muitas vezes financiadas com dinheiro público, mas que acabam tendo sua divulgação limitada a uma audiência muito restrita. Em nossa avaliação, conseguimos, em curto espaço de tempo, elaborar conteúdos de qualidade com o propósito de dialogar com um público mais amplo, que, muitas vezes, se sente excluído dos debates

Desde o dia 17 de setembro, data de lançamento do site e da inauguração de nosso perfil no Facebook, fomos honrados com o surgimento de um grupo de mais de 26 mil seguidores, que diariamente cresce. A todos vocês, somos profundamente gratos; esse site existe para vocês. Dessa forma, gostaríamos de destacar que, apesar das dificuldades que estão envolvidas no gerenciamento de uma iniciativa como essa, estivemos atentos aos comentários, sugestões, perguntas e críticas que nos foram apresentados ao longo desses três meses.

Em nossa avaliação, fomos capazes de sustentar os princípios que regem o funcionamento do site, para além da retórica vazia. Nesses três meses, o História da Ditadura pautou-se pela liberdade, pelo incentivo ao debate aberto e franco e pelo direito ao contraditório. Entendemos que as eventuais reações de discordância com relação aos conteúdos que publicamos são normais e até mesmo produtivas, pois contribuem para enriquecer os debates. No entanto, gostaríamos de confirmar que uma dezena de usuários foram excluídos do site, por constantemente ferirem os princípios universais de direitos humanos, que informam o comportamento de nossa página. Nossa política de participação permanece a mesma: serão excluídas as manifestações de conteúdo eleitoral, pornográfico e religioso. Além de postagens e comentários ofensivos, que incitem o ódio, a violência ou que estimulem práticas ilegais.

Como destacamos em nosso texto de abertura, o História da Ditadura não está vinculado a nenhuma organização pública ou privada, seja ela partido político ou instituição de qualquer natureza. Com isso, não pretendemos sugerir que somos guiados pela noção de “neutralidade científica”, ideia geralmente utilizada para atribuir isenção, onde, de fato, há propósitos inconfessáveis. Nosso trabalho se guia pelos princípios éticos da pesquisa histórica.

Ao mesmo tempo, lembramos que a construção e o aperfeiçoamento do História da Ditadura depende da participação do público. Nosso objetivo sempre foi elaborar um espaço de colaboração. Reiteramos nosso desejo e abertura em receber suas opiniões, sugestões e críticas, bem como informações e documentos que, após avaliação, poderão ser incorporados ao site. Ressaltamos que os editores do site não concordam necessariamente com as perspectivas teóricas e ideológicas dos textos que publicam. Entendemos que nossa função é divulgar conteúdos que julgamos importantes para a construção do conhecimento histórico sobre o passado recente brasileiro. Acreditamos, portanto, que há uma dimensão social no papel desempenhado no trabalho de edição.

No dia 20 de outubro deste ano, lançamos nosso canal no Youtube. Como parte de nosso projeto audiovisual, inauguramos nossas atividades divulgando a primeira temporada de entrevistas com historiadores que, ao longo dos últimos anos, têm colaborado com a construção do conhecimento histórico sobre o período em tela. Neste ponto, pensamos que seria importante destacar a entrevista de inauguração do canal, com o professor Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O historiador Carlos Fico, professor titular do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS/UFRJ) possui uma das mais relevantes obras sobre a história da ditadura militar. Autor de dezenas de artigos acadêmicos e inúmeros livros sobre o tema, Carlos Fico tem contribuído para a formação dos profissionais da área de História, orientando teses, dissertações e monografias ao longo dos últimos 30 anos. Para os editores do História da Ditadura, o professor Carlos Fico tem sido uma referência incontornável em nossa formação e em nossos trabalhos. Entre nós, costumamos dizer que o professor Carlos Fico é de fato e de direito o “padrinho” do História da Ditadura. A ele, registramos novamente, nossa admiração, nossos agradecimentos e nosso carinho.

A primeira temporada de historiadores convidados contou ainda com a presença do professor Marcos Napolitano, da Universidade de São Paulo. O professor Marcos Napolitano é um dos autores que, recentemente, tem produzido trabalhos de grande relevância e influência na área dos estudos sobre o regime militar. Marcos Napolitano desenvolve suas atividades em um dos principais centros de pesquisa e ensino do país. A ele agradecemos enormemente a colaboração e a gentileza.

O terceiro entrevistado da primeira temporada foi o professor Marco Antonio Villa. Professor aposentado do Departamento de História da Universidade Federal de São Carlos, Marco Antonio Villa atuou no magistério superior por mais de 30 anos. Ainda que o professor Villa, como ele mesmo costuma dizer, não seja um especialista na história da ditadura militar, ele foi responsável pelo lançamento de um fenômeno editorial, no ano de 2014: Ditadura à Brasileira. Ao mesmo tempo, parte expressiva dos seguidores do site, sempre manifestam interesse pela obra desse autor.

O quarto convidado, que fechará a primeira temporada de entrevistas, é o professor James Green, da Brown University (EUA). O professor Green é um dos mais destacados brasilianistas no estudo do período da ditadura militar brasileira. Ao mesmo tempo, James Green tem uma vasta e rica vivência no Brasil. Qualquer texto breve para apresentar esse autor é pouco para expressar a importância de sua militância política e dos temas de seus trabalhos.

No ano que se inicia, realizaremos entrevistas com outros historiadores brasileiros e estrangeiros, que tenham produzido trabalhos sobre a história recente brasileira e de suas relações com a história mundial, independentemente da perspectiva teórica adotada. Além disso, iremos entrevistar jornalistas, escritores de ficção, arquivistas e outros profissionais que contribuem para a construção do conhecimento, científico ou não, a respeito do tema de nosso site.

Em breve, inauguraremos a seção de depoimentos, onde iremos divulgar testemunhos de indivíduos que tiveram relação direta ou indireta com o período ditatorial brasileiro em suas múltiplas facetas: militantes políticos, artistas, agentes do Estado, membros de organizações da sociedade civil, empresários ou mesmo pessoas comuns que viveram o regime militar e suas consequências ainda que não tenham exercido diretamente nenhuma atividade política específica.

A seção “Na Escola” tem gerado muito interesse do público. A cada vez que publicamos um conteúdo novo nesse espaço, o número de acessos ao site cresce consideravelmente. Isso nos faz pensar que existe uma carência por parte dos profissionais da área de educação para acessar materiais criativos e de qualidade. Percebemos que a sobrecarga de trabalho e a baixa remuneração, característicos desse campo profissional, acabam dificultando a busca dos professores por meios de aperfeiçoamento e atualização. Um dos nossos objetivos para o próximo ano é estimular o desenvolvimento dessa seção.

Da mesma forma, aos poucos, buscaremos traduzir os conteúdos do site para a língua inglesa, pois pensamos que a possibilidade de internacionalização do conhecimento produzido no Brasil é também uma forma de facilitar o acesso a pesquisadores e demais interessados pela história brasileira, mas que não dominam o português.

A ideia é, paulatinamente, ir tecendo a trama complexa do passado recente brasileiro, procurando sair da lógica maniqueísta que pauta muitos trabalhos produzidos sobre essa temática. A nossa perspectiva é que a história do Brasil entre os anos 1964 e 1985 não pode ser reduzida ao embate entre militantes políticos, armados ou não, e agentes repressores do Estado. Portanto, consideramos que as vítimas da ditadura não foram apenas os indivíduos torturados, mortos ou forçadamente desaparecidos. Os dispositivos autoritários que o Estado ditatorial brasileiro criou e aperfeiçoou constantemente ao longo daqueles anos como forma de combater seus adversários, ultrapassou a dimensão estritamente política, gerando graves consequências para a sociedade brasileira de modo geral. Ainda assim, embora nosso objetivo principal seja produzir e divulgar análises sobre a ditadura brasileira, como o próprio título do site já faz supor, pensamos que a busca pela elaboração de uma narrativa complexa e multifacetada desse período não pode se limitar à análise do regime militar brasileiro e de seus aspectos autoritários. Há vários elementos presentes na cultura política brasileira em uma temporalidade mais ampla, tais como o autoritarismo, a violência e a intolerância, que, no período em tela, foram mobilizados de modo específico. Dito de outro modo, a história brasileira dentro desse recorte temporal proposto não se resume à história da ditadura militar.

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