Margarida Maria Alves: a flor que virou sinônimo de luta
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  • Foto do escritorDavid Concerva

Margarida Maria Alves: a flor que virou sinônimo de luta

Combate, briga, porrada, contenda, peleja, enfrentamento, pugna, testilha, recontro, bulha, prélio, escaramuça, Margarida. Há 40 anos, a palavra “luta” ganhava definitivamente um novo sinônimo.


“Da luta não fujo. É melhor morrer na luta do que morrer de fome”, disse uma das primeiras mulheres a presidir um sindicado de trabalhadores no Brasil, após uma série de ameaças de morte por meio de cartas e telefonemas. No dia 12 de agosto de 1983, semanas depois dessa fala aos familiares e amigos, Margarida Maria Alves foi assassinada por um latifúndio calibre 12.


As notícias de violência no campo, especialmente na Amazônia e contra indígenas, ecoam em manchetes alarmantes. Enquanto isso, o poder do agronegócio continua a crescer, exercendo influência sobre a vida pública. Neste contexto, torna-se imperativo buscar a responsabilização e lutar pela reforma agrária.


No centro dessa luta, encontramos exemplos inspiradores, como o de Margarida Maria Alves, que se destacou na liderança sindical, enfrentando desafios e reivindicando direitos para trabalhadoras rurais. Hoje, o legado dessas mulheres é evidente, com sua crescente presença nos sindicatos, revelando a força e importância das trabalhadoras rurais na construção de um país mais justo.


Neste texto, em parceria com a historiadora Mariana Marques, abordaremos a violência e a influência do agronegócio no campo brasileiro e a forma como as mulheres se organizaram para enfrentar grandes fazendeiros e reivindicar seus direitos.


A violência e o poder político do agronegócio


Violência no campo se concentrou na Amazônia e indígenas são os que mais morreram, diz CPT”; “Aumenta a violência no campo: Brasil tem um conflito a cada 4 horas”; “Violência no campo: 47 pessoas foram assassinadas em 2022”. Manchetes, títulos e lides não faltam para noticiar como a violência e a brutalidade dos latifúndios continuam a jorrar sangue pelo campo no Brasil.


Jornal Brasil de Fato do dia 17 de abril de 2023. Manchete: Violência no campo se concentrou na Amazônia e indígenas são os que mais morreram, diz CPT.
Violência no campo se concentrou na Amazônia e indígenas são os que mais morreram, diz CPT. Jornal "Brasil de Fato", 17 abr. 2023. Reprodução.

Rádio CBN, 18 de abril de 2023. Manchete: Aumenta a violência no campo: Brasil tem um conflito a cada 4 horas.
Aumenta a violência no campo: Brasil tem um conflito a cada 4 horas. CBN, 18 abr. 2023. Reprodução.

Agência Brasil, dia 17 de abril de 2023. Machete: Violência no campo: 47 pessoas foram assassinadas em 2022.
Violência no campo: 47 pessoas foram assassinadas em 2022. Agência Brasil, 17 abr. 2023. Reprodução.

Seria possível essas manchetes causarem mais repercussão do que a enxurrada de comercias do “agro é pop”, do “agro é tech” e do “agro é vida”, que inunda os intervalos da principal emissora de televisão do país, enaltecendo a “indústria-riqueza do Brasil”? Em um país em que a pandemia foi relativizada pelo então presidente da República, por hora inelegível, e em que boa parte do empresariado ecoava a falsa dicotomia entre vida e economia, a resposta parece não ser uma surpresa. A todo custo, a economia acabou prevalecendo, a boiada foi passando e as vidas foram ficando para trás.


Conforme discutido em artigo anterior, apesar da eleição do presidente Lula e da crescente participação política do MST, o poder do agronegócio continua em expansão, exercendo influência significativa em diversos aspectos da vida pública no Brasil.


No Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento do Marco Temporal encontra-se estagnado. Enquanto isso, no Congresso Nacional, a gigantesca bancada ruralista promove uma CPI contra o MST e insiste na flexibilização das leis ambientais e na regularização da grilagem. Ademais, no Poder Executivo, os ruralistas persistem em seus esforços para enfraquecer órgãos governamentais importantes, como o Ibama, o Incra e o ICMBio.


Diante desse cenário sombrio, é crucial pensar em como responsabilizar aqueles violência no campo e reafirmar a luta pela reforma agrária e pelos direitos trabalhistas. A brutalidade enfrentada pelas comunidades rurais exige uma abordagem corajosa e consistente.


É importante reconhecer que o agronegócio exerce uma poderosa influência política, com uma máquina de propaganda que busca obscurecer os problemas e promover uma visão romantizada do campo. Contudo, é fundamental questionar essa narrativa e expor as vulnerabilidades geradas pela concentração de terras e recursos nas mãos de poucos.


Nesse contexto, a história de Margarida Maria Alves, uma liderança sindical que lutou incansavelmente pelos direitos dos trabalhadores rurais, pode nos dar esperança para o futuro. Seu legado nos lembra que a resistência e a organização são poderosas ferramentas na busca por justiça social.


A luta das trabalhadoras rurais, a liderança de Margarida Alves. Fonte: Arquivo CONTAG. Margarida com braço direito levantado em posição de luta. Várias placas do sindicato dos trabalhadores. Ela esta cercada por pessoas segurando as placas.
A luta das trabalhadoras rurais, a liderança de Margarida Alves. Fonte: Arquivo Contag.

A luta de trabalhadores e trabalhadoras rurais no Brasil remonta a uma árdua caminhada ao longo da história republicana. A promulgação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, regulamentou o trabalho daqueles que atuavam nas áreas urbanas, enquanto o campesinato seguia desassistido.


O cenário foi modificado apenas em 1963, com o decreto do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR). Ainda assim, este se limitava a levar ao campo os direitos que já eram desfrutados pelos trabalhadores urbanos, como assinala a socióloga Sandra Maria Correia de Andrade (1994, p. 82).


Durante a ditadura militar, principalmente a partir da década de 1970, um suposto projeto de “modernização” da agricultura agravou a exploração da mão-de-obra, trazendo uma sobrecarga de trabalho e ainda mais problemas para a saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras.


A violência no campo também se agravou, perseguindo organizações e assassinando aqueles que jamais desistiam da luta. Os embates de homens e mulheres por condições dignas de trabalho em meio ao domínio do latifúndio e da monocultura permaneceram efervescentes.


Nesse contexto, os sindicatos desempenharam um importante papel como entidades de mobilização. Lideranças a exemplo de Margarida Maria Alves foram o motor propulsor para a formação de grupos de trabalhadores que se uniam reivindicando férias, assistência médica, 13º salário, assinatura da carteira de trabalho, entre outras pautas.


A sindicalização de mulheres não era estimulada e as especificidades do trabalho feminino não eram levadas em consideração. Apesar disso, esses espaços eram permeados pela presença feminina. As mulheres executavam – como executam até os dias atuais – diversas funções para a manutenção da família camponesa. O cuidado com o lar e a criação dos filhos eram alguns desses trabalhos.


Além disso, elas também estavam presentes na produção agrícola, cultivando alimentos para seus próprios núcleos familiares e trabalhando nas lavouras, com o crescente assalariamento da mão-de-obra feminina. Alguns serviços eram realizados apenas se elas estivessem acompanhadas de seus pais ou maridos devido ao constante assédio sofrido nesses espaços.


O processo de assalariamento dos trabalhadores rurais incluiu a mulher cada vez mais em atividades agrícolas. Nesse cenário, elas viviam uma dupla jornada de trabalho, sendo responsáveis pela gestão do lar após um dia extenuante. As mulheres desempenhavam funções como a adubação, no caso da lavoura canavieira. Esta atividade incluía carregar na cintura um saco de adubo pesando 25kg e a exposição aos componentes químicos do fertilizante sem qualquer tipo de proteção (MIELE, 1985, p. 97).


As trabalhadoras do campo possuíam, então, diversas demandas por melhores condições de vida e trabalho. A necessidade de creches, direito a amamentação e licença-maternidade adequada eram apenas algumas dessas necessidades. Porém, estas mulheres também eram as mais prejudicadas pela falta da assinatura da carteira de trabalho, por exemplo.


Margarida Maria Alves, eleita presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Alagoa Grande, na Paraíba, em 1973, era uma mulher comprometida com essa diversidade de pautas. Algumas delas eram a jornada de oito horas, o fim do trabalho infantil e a alfabetização de trabalhadores e trabalhadoras.


Nascida em Alagoa Grande, Margarida era a filha mais nova de nove irmãos. Estudou até a 4ª série e, aos oito anos, já iniciou o trabalho na agricultura. A paraibana fez parte do sindicato da cidade em que nasceu e, durante 23 anos, atuou também em outras organizações de trabalhadores rurais na região da lavoura canavieira da Paraíba.


Segundo Ana Paula Ferreira (2010, p. 22), doutora em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a sindicalista teve influência nas políticas da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) através de sua atuação nos sindicatos. Também criou conexões com outras mulheres camponesas e as trouxe para a luta campesina, influenciando novas lideranças femininas.


“Eu só deixo de dizer quando eu morrer porque... Só Deus... Quando Deus mandar minha morte. O que a gente não pode é um negócio que tem lá dentro, a coisa tá dizendo, a gente tem que dizer mesmo. É a situação do trabalhador rural”. Essas foram algumas palavras proferidas por Margarida, que podemos ver em um trecho do filme “Uma questão de terra”, de 1988.


Podemos notar, então, que mesmo em ambientes atravessados pela dominação masculina, as trabalhadoras seguiram imprimindo suas marcas. Os próprios sindicatos rurais passaram a abarcar mulheres inclusive em posições de liderança, apesar de se constituírem como locais culturalmente reservados para homens. Nesse sentido, torna-se inevitável e imprescindível destacar o legado de trabalhadoras como Margarida, que persistiram travando suas batalhas e lutando por seus lugares na sociedade.


Este texto foi escrito em coautoria com Mariana Marques, mestranda em História no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ela desenvolve pesquisa sobre o trabalho de canavieiras da Zona da Mata Norte de Pernambuco na década de 1970.


Créditos da imagem destacada: Movimento é marcado pelas camisetas lilás e pelos chapéus de palha decorados com margaridas. Foto: Mídia Ninja. Reprodução.

 

Referências:

ANDRADE, Sandra Maria Correia. Ação sindical no campo a partir da década de 70. São Paulo: Tese de Doutorado em Sociologia/Universidade de São Paulo, 1994, p. 82.

FERREIRA, Ana Paula Romão de Souza. A trajetória político-educativa de Margarida Maria Alves: entre o velho e o novo sindicalismo rural. 2009. 146 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal da Paraí­ba, João Pessoa, 2009.

MIELE, Neide. A mulher na palha da cana. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande, 1985.


Como citar este artigo:

CONCERVA, David; MARQUES, Mariana. A flor que virou sinônimo de luta. História da Ditadura, 15 ago. 2023. Disponível em: https://www.historiadaditadura.com.br/post/margarida-maria-alves-a-flor-que-virou-sinonimo-de-luta. Acesso em: [inserir data].

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