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  • Francisco Regis Lopes Ramos

Por que Gabriel Garcia Márquez?

Atualizado: 29 de abr. de 2021

 

Quem leu ou vai ler o romance Crônica de uma morte anunciada, e atualmente mora no Brasil, não terá dificuldade para rever o conceito de literatura fantástica.

Um conceito, é verdade, já bastante revisto pela fina flor da crítica literária. Mas, refiro-me, principalmente, a uma revisão de conceito na dimensão existencial do leitor, na sua viagem entre o texto da vida e a vida do texto (perdoem-me o pecado venial do trocadilho infeliz…).

Refiro-me mais especificamente à morte anunciada em atos e palavras do Executivo federal.

No início acelerado de uma pandemia, fica liberada a aglomeração em culto religioso. Culto religioso passa a ser serviço essencial, ao lado, por exemplo, de uma casa lotérica (isso, infelizmente, não é trocadilho, nem metáfora, é o que reza a lei dos homens).

Quem tiver olhos verá. Verá, na luz do dia, certos cultos funcionando como se fossem loterias. Na calada da noite, verá como todas as loterias não funcionam se não houver algum tipo de culto.

Mais uma vez, será um teste para as religiões e as suas lideranças. Saberemos, mais uma vez, como anda a visão dos devotos.

Saberemos quem, mais uma vez, está do lado da vida. Saberemos quem gosta de enganar e, principalmente, quem gosta de ser enganado, mais uma vez.

Depois dessa, pode ser que algum devoto mude o endereço da devoção. É possível. E não deixa de ser verossímil. Quem viver verá.

O enredo será pobre. Não teremos uma nova crônica. Ficaremos, apenas, com o registro de uma desgraça escandalosamente previsível.


Francisco Regis Lopes Ramos é historiador e professor de História na Universidade Federal do Ceará.

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