Futebol, curta se quiser
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  • Foto do escritorMarcelo Viana

Futebol, curta se quiser

Atualizado: 28 de abr. de 2021

 

Se eu lhe perguntasse qual é a melhor forma de conhecer algum país, você poderia responder de inúmeras maneiras, mas, certamente, o futebol seria uma delas. Atualmente, em tempos de globalização, poderíamos afirmar que o conhecimento do mundo passa pelo jogo de bola número um do planeta. Se houver alguma dúvida, observe o momento atual. Basta ver os múltiplos pedidos feitos por clubes e federações de todo o mundo que tentam, de um jeito ou de outro, acelerar o retorno do futebol. No momento em que escrevo, os amantes da redonda ou não estão de olho na Alemanha que, por sua vez, foi exemplo de prevenção e de combate ao novo coronavírus. Nessa perspectiva, só nos resta recuperar o famoso meme de 2014: “7×1 foi pouco”. Mesmo assim, pairam nas principais emissoras de televisão mais dúvidas do que certezas com relação ao sucesso da Bundesliga.

O futebol teria se tornado, portanto, depois de mais de um século de história, o principal componente da indústria do espetáculo esportivo. Diante dessa afirmação, a Copa do Mundo de futebol, hoje, é o acontecimento mais importante do esporte mundial. Atualmente, a Fédération Internationale de Football Association ou Federação Internacional de Futebol Associação (FIFA) conta com um número de integrantes maior do que a Organização das Nações Unidas (ONU). Esses dados atestam a relevância de estudar o futebol, mas podem não ser suficientes para convencer o leitor. De todo modo, o futebol é, também, um mecanismo importante para compreender temáticas complexas como, por exemplo, a identidade nacional, o fascismo, as questões raciais, os gêneros, a cultura de massa, a religião, o capitalismo, o imperialismo, entre outras.

A tese de que o futebol é o ópio do povo está ultrapassada. Da mesma forma, os documentos escritos já não são mais vistos como a única fonte confiável para se acessar o passado. Hoje, é comum encontrar nas universidades, por exemplo, disciplinas que pensam as relações da história com as fontes audiovisuais.

O futebol é uma presença constante nas câmeras e nos televisores. Nesse sentido, as fontes audiovisuais que trazem o esporte como tema podem servir de objeto de análise. Há um número significativo de filmes que usam o futebol como amplificador de sentidos. Em razão do grande interesse pelo tema, foi criado o CINEfoot, um festival de cinema voltado para o futebol. O evento se uniu ao Museu do Futebol, que passou a exibir semanalmente em suas redes as produções que participaram do festival.

A proposta do primeiro texto da coluna História Esporte Clube é fazer indicações de obras que unem duas paixões mundiais: o cinema e o futebol. Começo mencionando curtas ficcionais e documentais. As produções foram escolhidas levando em consideração a qualidade da abordagem e a facilidade do acesso em rede.

Nefta football club: O filme do diretor Yves Piat foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem em 2020. O curta se passa na fronteira da Tunísia com a Argélia e utiliza o futebol para discutir questões como identidade, alteridade e representatividade. Destaco a evocação de Mahrez, jogador francês, nacionalizado argelino, que, por meio dos debates entre os pequenos protagonistas, evoca a complexidade da globalização e põe em dúvida a questão do nacionalismo. Esse é o plano de fundo para uma ficção que envolve transporte de “sabão em pó” entre as fronteiras dos dois países e, claro, partidas de futebol.


Soccer boys: O curta, com direção e roteiro de Carlos Guilherme Vogel, propõe mostrar a relação do futebol com a discriminação sexual. Os personagens são jogadores do Beecats Soccer Boys que, entre uma partida e outra, compartilham como suas trajetórias de vida se relacionam com o futebol. Esse esporte que arrasta multidões pelos quatro cantos do globo, ainda hoje, está permeado por machismo, racismo e homofobia. Todavia, na Copa da Diversidade, machistas, racistas e homofóbicos não têm espaço.


A incrível volta ao mundo do tricolor suburbano: Curta dos diretores Pedro Von Kruger e Felipe Nepomuceno que, entre imagens e memórias de ex-jogadores, mostram a incrível volta ao mundo da equipe tricolor do subúrbio do Rio de Janeiro. O curta mostra como o Tricolor Suburbano jogou em lugares inimagináveis para um pequeno clube nos moldes atuais. Em um mundo polarizado entre capitalismo e socialismo, durante a Guerra Fria, o Madureira E.C foi bater uma bolinha em Cuba. Essa história ganha um caráter ainda mais importante nos dias atuais por dois motivos. Está na cada vez menor a valorização das rivalidades locais em detrimento das rivalidades de caráter regional, continental ou global. Tal processo poderá acarretar o sumiço de diversos clubes. Outro motivo está relacionado ao momento atual. Com as atividades paradas em razão da pandemia, os clubes menores são certamente os mais afetados. Mesmo assim, uma parcela significativa da grande mídia não dá atenção a essas questões e, até agora, não há nenhum projeto da CBF ou das federações para ajudar esses clubes.


Um povo nas costas: Você sabia que existe uma equipe de futebol no Chile que carrega em sua origem, em seu escudo e em sua camisa as cores da causa palestina? Não? Então você precisa conhecer esse minidocumentário de direção de Murilo Megale, do canal Peleja. Murilo viaja até o Chile e vai em busca de histórias sobre o Club Deportivo Palestino.


Um time, 11 judeus: Com apoio do Diário de Pernambuco, os roteiristas e diretores Lucas Fitipaldi e Brenno Costa contam a história do Israelita Sport Club. Um time formado por judeus que disputou, entre 1931 e 1933, o campeonato pernambucano. Um time que tem suas origens na fuga da primeira Guerra Mundial. O minidocumentário narra como se deu o processo de formação do clube, seus fundadores e de que forma a comunidade israelita se inseria na comunidade pernambucana. Bem, o time não foi vencedor nas quatros linhas, mas pouco importa. A emoção está em ver a bola rolando e compreender de que maneiras os imigrantes buscaram se inserir na sociedade brasileira.


Mauro Shampoo – jogador, cabeleireiro e homem: No ano de 2005, os diretores Leonardo Cunha Lima e Paulo Henrique Fontenelle lançaram um curta sobre Mauro Shampoo. Para quem não conhece, Mauro foi um menino pobre que cresceu na praia de Boa Viagem, no Recife. Mauro começou a jogar bola na areia da praia. Seu ofício de cabeleireiro garante, até hoje, seu sustento. A grande paixão de Mauro Shampoo, no entanto, sempre foi o futebol. Mauro Shampoo teve a sorte de viver grandes momentos no clube que defendeu por quase dez anos, o Íbis Sport Club, seu time de coração, que foi eleito o pior time do mundo.


Adeus, geral e Geral: O minidocumentário Adeus, Geral, dos diretores Matheus Bosco, Gustavo Altman, Pedro Arakaki, Martina Alzugaray e Pedro Junqueira, e o curta Geral, de Anna Azevedo, são importantes documentos tanto de imagens, quanto de depoimentos de torcedores que não são mais bem-vindos nos estádios de futebol. Isso acontece em razão da elitização e das transformações de estádios em arenas e, também, da consolidação de um processo neoliberal no espaço que altera a experiência de vivenciar o futebol. Nesses documentários, fica claro o perfil de torcedor que não é mais bem-vindo nos estádios de futebol. Para além de tudo isso, vale a pena matar a saudade dos tempos de arquibancada cheia de torcedores e não de espectadores.



Sobre a coluna

A coluna História Esporte Clube é dedicada à história do esporte, do campo esportivo e do futebol. Serão propostas abordagens múltiplas e que podem ser analisadas em diferentes escalas. A história do esporte nos proporciona a possibilidade de analisar o objeto de forma transcultural, transnacional e conectada ao prisma da História Global, seja pelo viés político, cultural ou econômico. As relações entre esporte e sociedade são marcadas pela interdisciplinaridade. Nesta coluna, não será diferente. Haverá reflexões, debates sobre temas sensíveis, divulgação de pesquisas, entrevistas, filmes, livros etc. A ideia é, também, a problematizar temas que estão quase sempre ausentes na imprensa esportiva, que pauta seus debates excessivamente pelo humor. Como historiador e apaixonado pelo futebol, considero-me, tal como Eduardo Galeano definiu a si mesmo, um mendigo do bom futebol. Que as linhas desta coluna sigam a trilha do pensamento do escritor uruguaio: ao se deparar com uma boa partida de futebol, agradece pelo ocorrido, sem se importar com quem estiver em campo, pois em uma partida boa é indiferente que quem esteja jogando seja a sua equipe ou a minha.

Marcelo Viana é mestrando em História e colunista do site História da Ditadura.

 

Crédito da imagem destacada: Photo by Guillaume de Germain on Unsplash

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