Os súditos do eixo: Quinta Coluna e Estado Novo em tempos de guerra
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  • Foto do escritorCarlos Bauer

Os súditos do eixo: Quinta Coluna e Estado Novo em tempos de guerra

Atualizado: 29 de abr. de 2021

 

1. Introdução

O Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) ficou caracterizado pela oposição de grandes nações, que disputavam com modelos políticos antagônicos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). De um lado, as democracias liberais, representadas por França, Inglaterra e Estados Unidos, de outro, os governos ditatoriais de Hitler e Mussolini. É neste contexto global, que se torna necessário compreender as consequências das ações diplomáticas na política interna brasileira e, por fim, questionar os interesses de Getúlio Vargas com as duas ideologias que se enfrentaram em campo de batalha.

As relações do Brasil com a Alemanha Nazista possuíam vertentes econômicas, sociais e culturais. Assim como grande parte das relações diplomáticas, os acordos com o III Reich iniciaram de forma comercial, com exportações de matérias-primas e importações de produtos industrializados. Os militares brasileiros vivenciaram um exemplo desta proximidade alemã, já que muitos dos seus armamentos eram de origem alemã e possuíam qualidade reconhecida pelos soldados.

Os alemães erradicados também representaram uma dinâmica que envolvia os caminhos da política externa, o desenrolar da geopolítica Alemã e questões internas na política brasileira. Eram, geralmente, famílias emigradas da República de Weimar – república alemã fundada após a primeira guerra e encerrada pela ditadura nazista – que se firmaram em solo brasileiro em busca de mudanças ou para trabalhos em empresas germânicas. A presença dessas famílias e de qualquer tipo de instituição alemã fora do Reich passou a ser responsabilidade do Auslandsorganisation (organização nazista para o exterior).

A relação do governo brasileiro com os alemães no Brasil foi volátil e mudou de acordo com os rumos da política. Enquanto observou-se uma proximidade diplomática com o Fascistas e Nazistas, alemães e italianos viviam de forma natural no território, ainda que alguns retornassem ao país de origem para vivenciarem as transformações sociais que lá ocorriam. Entretanto, com o fim da equidistância pragmática e a declaração de guerra ao Eixo, alemães, italianos e japoneses tornaram-se inimigos internos e um perigo à segurança interna do país.

Compreender a relação policial entre a ditadura Varguista e os indivíduos acusados de espionagem é o caminho para a definição de Quinta Coluna no Brasil. São classificados como Quinta Coluna aqueles indivíduos residentes no país e que representam os interesses de um inimigo em um contexto de guerra. Práticas como sabotagem e espionagem são típicas destes grupos, classificados como traidores. Em determinado momento da guerra, até mesmo o idioma – italiano, japonês e alemão – tornou-se proibido em estabelecimentos brasileiros, pois esta parcela da população representava uma grande ameaça.

Os Departamentos Policiais do governo resumem em muitos pontos a dinâmica abordada neste texto. Em um primeiro momento destaca-se a sua proximidade com a Gestapo – polícia política nazista – e, após o processo de nacionalização – que consistiu em uma doutrina do Estado Novo na construção ideológica do Brasil – atuam como instrumentos estatais de perseguição e classificação de suspeitos, o que Ana Maria Dietrich (doutora em História Social pela USP), em sua obra Caça às Suásticas, nomeou como Categorias de Suspeição (DIETRICH, 2007).

2. O Reich sem fronteiras

Desde meados dos anos 1920, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães recebia diariamente inúmeros pedidos de filiação, oriundos de diversas regiões do mundo (CARVALHO, 2018). O número de alemães no exterior que compactuavam com os ideais pregados por Hitler era considerável e estes buscavam proximidade com a doutrina nazista. A idealização de uma grande comunidade alemã não era totalmente aberta aos mestiços, somente aos alemães considerados puros, que careciam de uma organização sob os moldes do Partido. Fundar a Organização Nazista para o Exterior representava uma guinada para além das fronteiras alemãs, deixando claro o interesse supranacional nazista.

No Brasil, não faltam exemplos que demonstrem esta proximidade do Partido Nazista com os alemães erradicados. É sempre bom ressaltar os enormes índices de imigrantes germânicos para o Brasil. Contudo, esses organismos para o exterior adotavam uma linha moderada, agindo com cautela para não despertar crises diplomáticas, algo que não se sustentou por muito tempo. O partido nazista brasileiro é um objeto de estudo inevitável, já que se consolidou como a maior representação deste tipo fora da Alemanha. As determinações do partido, principalmente em São Paulo, deixam claras algumas intenções e a impossibilidade de coexistência com a nova política nacionalista de Vargas.

Durante as boas relações diplomáticas entre os dois países, o Partido Nazista Brasileiro conseguiu se consolidar e angariar a participação dos germanófilos interessados em apoiar o Reich de alguma forma. Escolas passaram por um processo de aculturamento nazista, professores favoráveis ao regime difundiam sua ideologia, bancos alemães utilizam práticas cambiais ilegais, visando o envio de dinheiro para o país natal, entre outras formas de atuação. Isto demonstra como o ambiente brasileiro ainda era muito aberto a práticas deste tipo, condizendo em grande parte com a sua política externa de Equidistância Pragmática, termo utilizado para caracterizar a política externa Varguista nas relações diplomáticas “equidistantes” com as democracias liberais e com as ditaduras do eixo.

É necessário ressaltar que esse momento de ambiguidades ideológicas também marcava presença nos altos comandos governamentais entre ministros importantes do governo Vargas. Filinto Müller foi o caso mais significativo, pois teve destaque na captura de Olga Benário e Luís Carlos Prestes. Ele também simboliza o auge da proximidade diplomática com o eixo, tendo passando um período de “estágio” com a Gestapo na Alemanha, visando aprimorar práticas policiais e de tortura. As ações da polícia brasileira, principalmente na perseguição aos comunistas com retratações aos representantes políticos alemães, marcaram a figura histórica de Müller como executor de ordens do Führer e não do Brasil.

3. Postura moderada brasileira

Todavia, esta turbulência não era restrita à polícia, mas também aos consulados e representações diplomáticas na Europa. É indispensável destacar nomes como Aracy Guimarães Rosa, merecidamente chamada por Anjo de Hamburgo, e Luiz Martins de Souza Dantas. Dois diplomatas que serão lembrados por não seguirem ordens oficiais, feito que acabou salvando centenas de vidas judias. Os ofícios secretos decretados pelo governo de Getúlio estabeleceram barreiras para a entrada de judeus no território brasileiro, alegando preservação da mão de obra nacional.


A busca por valorização da mão de obra nacional não parecia um argumento plausível, principalmente em um contexto de perseguições étnicas e políticas. Durante esse período, a maior preocupação do governo brasileiro ainda era o perigo comunista, bem representado pelo fechamento da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a proximidade de Vargas com a Ação Integralista Brasileira (AIB). A não concessão de vistos aos judeus em fuga representou a negação ao exílio e à salvação. Enquanto isso, jornais como o Deutscher Morgen circulavam livremente pelos grandes centros urbanos brasileiros, levando notícias da pátria mãe alemã, sem citar as atrocidades, como foi o caso das Leis de Nuremberg (1935), legislação antissemita nazista, com proibições de todas as vertentes que visavam preservar a raça e a comunidade alemã, chegando ao ponto de impedir casamentos com judeus e a perda de direitos básicos.


4. Estado Novo, guerra e conclusão


Com instauração da ditadura do Estado Novo, teve início uma política de nacionalização da sociedade brasileira, baseada em ideais ufanistas muito comuns em regimes de exceção. O grande dilema estava na forma como os alemães se comportavam, principalmente ao colocarem a pátria de origem em primeiro lugar. A declaração de guerra ao Eixo (1942) e a consequente entrada no conflito ao lado dos Aliados, minguaram as relações do governo brasileiro com os Súditos do Eixo, atuando de forma mais incisiva e até mesmo desproporcional.

É possível dizer que no momento anterior à declaração de guerra, o principal motivo para as perseguições contra nazistas no Brasil estava pautado na divergência de pensamento. Diferentemente do que se imagina, Vargas não estava combatendo o nazismo, estava combatendo o antipatriotismo, aqueles que não se enquadravam na lógica nacionalista. Continuar sendo um nazista não representava grandes problemas, apenas deveriam se comportar de acordo com a ideologia do regime. Entretanto, o fim dos partidos políticos representou o primeiro grande desentendimento diplomático, tornando o representante alemão Karl Ritter persona non grata no Brasil (DIETRICH, 2007).

O que se observou na cronologia dos fatos foi a mudança da postura brasileira de acordo com os pretextos diplomáticos. Enquanto era possível coexistir com os interesses nazistas no Brasil, a diplomacia acenava para acordos com as duas frentes – Democracias e Ditaduras. Quando Getúlio Vargas decidiu oficializar sua própria ditadura, alguns interesses passaram a se tornar conflituosos, mas ainda possíveis. A partir da declaração de guerra ao Eixo, o que se viu foi a perseguição de supostos espiões, agentes externos nocivos à segurança nacional, pessoas inocentes torturadas pelo fato de falarem alemão em público e até mesmo campos de concentração brasileiros (PERAZZO, 2009). Muitos suspeitos permaneceram presos até o fim da guerra e não possuíram julgamentos conclusivos sobre serem ou não inimigos do Estado.


Referências Ana Maria Dietrich. Caça às Suásticas: O partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia Política. FAPESP: São Paulo, 2007.

Bruno Leal Pastor Carvalho e Taís Campelo Lucas (org.). Expressões do nazismo no Brasil: Partido, Ideias e Reflexos. Saga Editora: Salvador, 2018.

Gerson Moura. Relações exteriores do Brasil, 1939 –1950. Mudanças na natureza da relação Brasil –Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial. Brasília: Funag, 2012. p. 33-175.

Priscila Ferreira Perazzo. Prisioneiros da Guerra: Os “súditos do eixo” nos campos de concentração brasileiros (1942-1945). FAPESP: São Paulo, 2009.

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