Por que um novo site sobre a História da Ditadura Militar brasileira?
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Por que um novo site sobre a História da Ditadura Militar brasileira?

Atualizado: 15 de out. de 2020

 

Parece não haver disputa entre os historiadores acerca da validade da afirmação que indica que o passado é sempre narrado a partir de preocupações do presente. Em outras palavras: é por meio de temas correntes que formulamos questões acerca do passado e apresentamos hipóteses que procuram explicar as ações humanas ao longo do tempo. Esta atividade, produzir conhecimento que seja confiável sobre o passado, é uma constante nas sociedades humanas; o que pode ser explicado por uma simples constatação: a história é fundamental no desenvolvimento humano e na organização social.

E a História, em sua condição de ciência acadêmica, constitui, há muito tempo, um campo do conhecimento humano consolidado e reconhecido. A atividade do historiador, por intermédio da análise crítica de um vasto conjunto de fontes, é produzir uma narrativa que ofereça uma interpretação plausível acerca de acontecimentos ocorridos no passado. A história é o tempo encadeado em explicações satisfatórias e provisórias.

A História não detém, todavia, o monopólio dessa atividade, isto é, apresentar narrativas que expliquem o passado. Há diversas outras formas de se fazer isso. Para citar apenas alguns exemplos, poderíamos nos lembrar da literatura, dos relatos oficiais produzidos pelo Estado, das memórias familiares transmitidas oralmente, do cinema, do teatro, dos diários pessoais, da imprensa e de muitíssimos outros.

É necessário, entretanto, perceber que, ainda que todas essas manifestações apresentem características em comum, elas possuem natureza, alcance e propósitos distintos. Sobre esse aspecto, gostaríamos de destacar que o trabalho dos historiadores é “vigiado” por uma convenção de rigores teóricos, éticos e metodológicos que, em última instância, são as ferramentas que atribuem valor ao conhecimento produzido por eles. Ainda que seja uma tarefa bastante difícil, que demande dedicação, erudição e muita pesquisa, é possível produzir conhecimento histórico sobre o passado com valor de verdade.

Para o nosso site, História da Ditadura, o que entendemos por “valor de verdade” não se deve confundir com a antiga pretensão de narrar a “história como ela realmente ocorreu”; como se fosse possível elaborar um único relato verdadeiro e definitivo sobre o passado. Nossa compreensão acerca do “valor de verdade” reside, precisamente, na elaboração de estudos históricos, com alto teor de reflexão crítica, por intermédio de extensa documentação, de natureza variada, que nos permita elaborar hipóteses satisfatórias acerca das ações humanas ocorridas no pretérito.

Este, portanto, não é um site de memórias; este não é um site de literatura, nem, tampouco, um site que procura reproduzir os relatos oficiais acerca do passado, sejam relatos produzidos pelos governos da ditadura militar, sejam relatos produzidos pelos chamados mecanismos estatais de justiça de transição como, por exemplo, a Comissão Nacional da Verdade. Este é um site de História. Os materiais que aqui serão apresentados refletem um vasto conjunto de investigações acadêmicas, que foram e estão sendo produzidas no âmbito das melhores Universidades do país e do exterior. Ao mesmo tempo, apresentamos um mecanismo de busca no qual se poderá pesquisar sobre o que já foi produzido acerca do período da ditadura em seus mais variados formatos: livros de História, trabalhos acadêmicos, romances, filmes, relatos memorialísticos, entre outros.

Seja como for, não se pretende afirmar que a narrativa produzida no âmbito dos estudos historiográficos é superior ou “mais verdadeira” do que as narrativas produzidas, por exemplo, pela literatura. Essa tem sido uma tendência bastante comum entre historiadores. Algumas vezes, também, podemos encontrar o argumento de que a suposta posição de superioridade, que a formação profissional asseguraria aos historiadores, deveria ser transfigurada em ferramenta de convencimento no diálogo com o público.

Em nosso entendimento, o produto do trabalho do historiador, quando comparado, por exemplo, com as memórias de familiares, possui natureza distinta; é capaz de elaborar reflexões de alcance variável e, enfim, tem por objetivo, como alguém já disse, “lembrar aquilo que a sociedade quer esquecer”.

Nosso principal objetivo, em resumo, é apresentar um vasto conjunto de trabalhos, relacionados ao período que compreende a ditadura militar brasileira, por meio de reflexões historiográficas, que auxiliem o público não especializado a refletir sobre os resultados de nossas pesquisas.

E essa tarefa não é fácil. Ao contrário. Se, por um lado, há, atualmente, muito preconceito e desconhecimento acerca do trabalho produzido pela Academia, por outro, há um enorme distanciamento entre aquilo que se debate e que se elabora nas Universidades brasileiras e o público em geral. Quando o tema em foco é o período que se estende entre 1964 e 1985 (definição temporal mais aceita pela historiografia atualmente), ou seja, o período da ditadura militar, não apenas o distanciamento, mas, sobretudo, o desconhecimento e o preconceito parecem alcançar níveis inusitados.

Em parte, acreditamos, esse fenômeno está associado ao uso político do passado em suas amplas expressões; ao mesmo tempo, é reflexo de certo enquadramento temático do período em tela, que plasmou, ao longo das últimas décadas, uma dada imagem: como se a história do Brasil no período da ditadura fosse “a” história do conflito entre os sistemas de informações e de repressão da ditadura militar e as organizações armadas de esquerda. Essa lógica perversa, que sugere divisão binária entre algozes e vítimas, esconde, propositalmente, por exemplo, o significativo amparo social que a ditadura brasileira recebeu.

Descuidar dessa perspectiva não equivale a desconsiderar a ocorrência de graves violações de direitos humanos e o uso arbitrário da violência para a consecução de um projeto autoritário de Estado, disfarçado com os trajes habituais do discurso do “combate ao comunismo e à corrupção”. Descuidar dessa perspectiva não equivale a desconsiderar a permanência de traços autoritários e perversos na relação entre o público e as forças de segurança do Estado brasileiro. Para nós, descuidar dessa perspectiva, significa abordar novos temas por meio de enquadramentos teóricos e metodológicos distintos.

 

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