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Foto do escritorHistória da Ditadura

Resenha de livro: Se eu fechar os olhos agora (Edney Silvestre)

Atualizado: 15 de out. de 2020

A pista e o convite

Se eu fechar os olhos agora, romance de Edney Silvestre, é um daqueles livros que transita entre diversos públicos e que, portanto, escapa da classificação por faixa etária. Ainda que seja impossível determinarmos como teríamos avaliado um dado livro em outros momentos de nossas vidas, não consigo deixar de imaginar: como eu o teria lido na época em que abandonava os volumes com ilustrações e mergulhava nas leituras, que contavam uma história com a combinação das 26 letras de nosso alfabeto?

Paulo e Eduardo, após matarem aula e irem para um lago, descobrem o corpo de uma mulher assassinada cruelmente. O evento traumático, que irá persegui-los desde então, é mote para uma investigação do mundo. Utilizar-se de adjetivos como “interessante” para falar do livro é não dizer nada. Nesse caso, é melhor ir direto ao que interessa: uma das coisas que me surpreendeu na leitura é perceber a riqueza de um universo que se despede da infância para trilhar uma maturidade. A passagem irreversível do tempo é um processo que Edney Silvestre soube pintar com as cores de um relato que transita entre o policial, o confessional e histórico algo que se transformava e que não voltaria a ser como era antes. Seriam as vidas de Eduardo e Paulo com seus 12 anos ou o Brasil de 1961?

As possibilidades que se apresentavam no Brasil daquela época, quando lidas na, ora trêmula ora fosforescente, luz do hoje, nos enchem de alguma melancolia: a permanência do feminicídio em nosso país e o avanço de uma reação conservadora aos direitos das mulheres nos mostram um patriarcado que insiste em existir. Os meninos Paulo e Eduardo, estudantes de uma educação pública que iniciava seu processo de expansão e o idoso Ubiratan aposentado de uma escola em Pernambuco, nos mostram as potencialidades e caminhos do que poderia ter sido e não foi. Percorrem no livro épocas de profundas e intensas transformações como o início do século XXI, começo dos anos 1960 e os anos dos governos de Getúlio Vargas. Podemos entrever na leitura um forte aspecto geracional daqueles que nasceram na segunda metade do século XX.

Dessa forma, “os mortos não ficam onde estão enterrados” – a epígrafe que inicia o romance é uma pista e um convite para percorrermos os dezesseis capítulos de títulos variados como “Noche de Ronda” e “Josef e Svetlana”.

São recorrentes, em alguns momentos, diálogos que consistem em perguntas que não encontram respostas. Como se estivessem surdos ou como se a incomunicabilidade pudesse ser à primeira vista uma constância nas diferentes gerações. É emblemático que os personagens – os que partem em busca e não se conformam com o já dado – sejam duas crianças e um velho. É sabido que a máscara da experiência, que traz o adulto, surge da conformação e da certeza de que as coisas não podem ser mudadas. A linguagem do livro é simples e cativante. Não encontramos o rebuscamento e tampouco o hermetismo responsáveis por isolarem ainda mais o mundo das letras. Trata-se também de uma boa obra para ser utilizada pelos professores em sala de aula.

A frase que intitula o livro Se eu fechar os olhos agora é uma possibilidade ou condição, quase uma interpelação feita ao tempo e a permanência de momentos traumáticos e de mortes não redimidas. Um thriller de enredo cativante que prende nossa atenção durante a leitura nos levando para caminhos suspeitos e insuspeitos que, ao fim, cumprem o papel de toda boa literatura: provocar-nos com incômodo e prazer.

Henrique Monnerat é professor de História da rede pública do estado do Rio de Janeiro.

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