As juventudes e sua participação nas eleições brasileiras de 2022
“A participação política dos jovens não se faz no vazio cultural e histórico, mas em sociedades reais que carregam as marcas singulares de sua história e as dificuldades específicas de seu presente”. Lúcia Rabello de Castro
Em uma manhã, ao entrar na turma de terceiro ano do ensino médio, observo alguns alunos conversando e logo identifico o assunto: o pleito presidencial deste ano. A conversa gira em torno dos dois candidatos à Presidência da República mais bem colocados nas pesquisas e a pergunta que paira no ar é:
- E aí, tu vai votar no Lula ou no Bolsonaro?
Mediante o questionamento e as expressões de voto de diferentes alunos, o debate torna-se mais acalorado. Assim, me vejo no papel de acalmar os ânimos e tentar ouvir as argumentações de ambos os lados e fomentar um debate saudável. Com muitas fake news e frases de efeito, alguns jovens defendem o atual presidente; outros relembram feitos dos governos petistas; há ainda os que ignoram qualquer candidato ou proposta exposta se apoiando na máxima “Política é igual a religião, não se discute.”
É nesse ambiente de conflitos, desinformação e sobrecarga de versões que os jovens vão participar/enfrentar as eleições presidenciais de 2022. Sabemos que não estará em jogo somente o cargo presidencial, mas uma parcela importante de cargos federais e estaduais. Porém, a disputa parece centralizar-se apenas em quem ocupará o maior cargo diretivo da nação, não dando espaço para os outros representantes do Legislativo e Executivo estaduais – não se fala em outra coisa nos espaços midiáticos. Faço essa observação um pouco generalizante, mas baseada em caminhadas fora de minha área ideológica de conforto e para além da bolha social que integro.
Às juventudes – trato-as como plurais por entendê-las diversas – é imposta uma série de rótulos e posturas que vão, aos poucos, deformando ou esgarçando essa variedade de sujeitos, comportamentos e subjetividades. Essa forma de enxergar as juventudes, como uma categoria homogênea, traz prejuízos e naturalização de modos de ser, ajudando na perpetuação de uma ideia estereotipada e bipolarizada: ou o jovem é revolucionário e transformador social, ou é alienado e despolitizado.
Entendo que a reflexão acerca da participação política das juventudes, seja no âmbito global, nacional ou local é um debate muito amplo. assim, este texto não tem a pretensão de ser um estudo aprofundado e definitivo. O que me interessa nessa reflexão é compreender o movimento crescente das juventudes no processo eleitoral e o retorno à militância desse grupo (ou desses grupos?) nos partidos políticos – movimento contrário ao observado nas manifestações de 2013, onde muitos caímos na cilada do “Sem Partido”. Minha proposta é formular uma centelha que ajude na reflexão sobre as diferentes formas de participação política dos jovens e, em especial, essa ação efetiva e direta que é o voto.
“Queremos votar!" A juventude no movimento pelas Diretas Já!
Ainda em 1983, período identificado como de reabertura política, começavam as manifestações pela volta das eleições diretas para presidente da República. No ano seguinte, eclodiu o movimento Diretas Já, que colocou na rua milhões de brasileiros em defesa da emenda constitucional apresentada pelo deputado mato-grossense Dante de Oliveira. A proposta defendia eleições diretas já em 1985. Mesmo com a não aprovação da emenda, esse movimento foi de extrema importância no processo de desgaste e fim do regime ditatorial brasileiro.
Foi apenas em 1988, com a publicação da Constituição Federal, que ficou estabelecido como facultativo o voto dos jovens da faixa etária maior que dezesseis e menor que dezoito anos. Porém, essa participação só foi possível nas eleições de 1989, quando os candidatos Fernando Collor de Mello e Luís Inácio Lula da Silva foram ao segundo turno. Collor foi eleito presidente do Brasil, com 53% dos votos válidos. Em 1992, ocorreu o impeachment de Collor, após denúncias de corrupção e, com isso, houve um crescente sentimento de descrença na política, que se agravou ao longo dos anos. Mesmo com um período de desafogo, em algumas regiões do país durante os governos petistas, primeiro com o presidente Lula (2002-2010) e depois com a presidenta Dilma (2011-2016), essa descrença volta a nos assombrar. Os eventos decorridos com os movimentos de 2013, o golpe de 2016 e as mobilizações estudantis nas escolas, no governo de Michel Temer e o (des)governo Bolsonaro, nos enterraram no caos e ressuscitou fantasmas que achávamos exorcizados.
Assim, constatado esse distanciamento dos jovens do processo eleitoral, no tocante ao declínio de novas inscrições de títulos eleitorais, foram desenvolvidas pelo TSE e em conjunto com os Tribunais Regionais Eleitorais, desde o início dos anos 2000, algumas campanhas de conscientização à participação dos jovens no processo eleitoral, o programa é conhecido como Jovem Eleitor.
Por isso, é importante salientarmos que houve um aumento significativo de inscrição de novos eleitores no primeiro trimestre deste ano, conforme pesquisa apresentada pelo Tribunal Superior Eleitoral e disponível no site da instituição. Segundo o TSE, entre os meses de janeiro e março de 2022, foram registrados 1.144.481 novos eleitores pertencentes à faixa etária de quinze a dezoito anos. Isso por si só não pode determinar um maior ou menor engajamento dos jovens ao cenário político do país, mas pode nos dar subsídios para pensar sobre esse interesse.
Além do programa Jovem Eleitor, houve, no início deste ano, mobilizações nas redes sociais, como a campanha Olha o barulhinho, que teve o apoio de vários artistas nacionais e internacionais, influenciadores e entidades estudantis com o intuito de estimular os jovens a votar pela primeira vez.
“Militar pra mim é verbo”: o jovem na urna!
No início desse texto, trouxemos a grande dúvida que movimentou os primeiros minutos da minha aula: Lula ou Bolsonaro? Foi a partir deste questionamento que pude traçar pelo menos dois caminhos pelos quais muitos jovens estão escolhendo tirar o título de eleitor e estarem aptos para as eleições de 2022, mesmo o voto não sendo obrigatório. Um deles está na insatisfação com o atual governo, com as denúncias escancaradas de corrupção, a indiferença durante a pandemia de COVID-19, além das políticas econômicas desastrosas que estão impactando diretamente o dia a dia dos brasileiros, principalmente a juventude. Do outro lado, vemos um sentimento saudosista, baseado numa memória coletiva dos avanços econômicos, sociais e culturais, herança dos governos petistas que estamos vendo cotidianamente desaparecer.
Em maio, o Brasil de Fato publicou uma matéria associando a insatisfação dos jovens com o governo atual com o aumento de inscrições de novos títulos eleitorais. A matéria está baseada em pesquisa realizada pela Organização Quid.
A pesquisa, de acordo com o BF, “[...] ouviu adolescentes de 16 a 17 anos que não debatem política no dia a dia, em seis grupos de discussões em São Paulo e Recife, todos eles da classe C”. Em resumo, a pesquisa aponta para três motivos que levam a desmobilização da juventude. Um deles é uma insegurança motivada por uma baixa autoestima política que aparece em algumas respostas, como um sentimento de não estarem preparados o suficiente para assumir o peso da escolha. Outros afirmam que preferem “evitar tomar um partido” e adiar o alistamento eleitoral para evitar conflitos dentro do próprio ambiente familiar por apresentarem opiniões diferentes. Além de tudo isso, existe ainda um ceticismo em relação às instituições políticas e muitos jovens preferem se abster desse processo enquanto ainda podem.
A pesquisa ainda afirma que os próprios amigos podem influenciar esses comportamentos arredios perante a participação no processo eleitoral. Alguns jovens acreditam que vão ter que ceder à pressão, por mais que o voto seja secreto, e acabar revelar em que votou. O ceticismo com relação aos candidatos, à classe política e à política institucional também é usado como subterfúgio para legitimar a não participação nos pleitos, comenta a pesquisadora Maíra Berutti.
Por mais desafiadores que sejam os motivos que contribuam com o alijamento da juventude do processo eleitoral, a pesquisa mostra que podemos ter esperança, pois o voto dos jovens de dezesseis e dezessete anos pode decidir as eleições deste ano. Se tomarmos como referência as eleições de 2018, a vitória do atual presidente se deu com uma margem percentual muito próxima do candidato derrotado, Fernando Haddad. Dessa forma, os números apresentados pela campanha Olha o barulhinho, tendo como fonte base o TSE, são cerca de 2,5 milhões de novos jovens que estão aptos a participarem das eleições de 2022.
Escrevo esse texto faltando apenas cinquenta e três dias para as eleições. As campanhas e mobilizações devem estar para além do jovem com o título em mãos: a luta agora é para que ele compareça no dia 2 de outubro e exerça, com consciência e tranquilidade, seu direito de cidadão e de sujeito de sua própria história. Que nós, os ditos adultos, e, em específico no meu caso, professora de história do Ensino Médio do estado do Ceará, possamos desenvolver juntamente com nossos jovens uma nova forma de pensar o protagonismo juvenil. Não este que foi vendido como o bilhete dourado, do Projeto do Novo Ensino Médio, que pensa uma formação para o desenvolvimento de jovens líderes com uma visão voltada ao empreendedorismo. Mas um protagonismo que seja um projeto de transformação social, que anda de mãos dadas com o direito ao voto.
Créditos da imagem destacada: Lula e Jair Bolsonaro. Crédito: Ricardo Stuckert (Flickr @LulaOficial) e José Dias (Flickr @palaciodoplanalto)
Como citar este artigo:
MACIEL, Carolina. As juventudes e sua participação nas eleições brasileiras de 2022. História da Ditadura, 17 ago. 2022. Disponível em: [https://www.historiadaditadura.com.br/post/asjuventudesesuaparticipacaonaseleicoesbrasileirasde2022]. Acesso em: [inserir data].
De acordo com o TSE, só é possível ter essa noção pelo número de novos títulos, já que não se pode medir a participação efetiva dessa parcela de eleitores, pois inexistem estatísticas para esses dados.
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