GOLPE DE ESTADO NO SÉCULO XXI: O CASO DE HONDURAS (2009)
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  • Foto do escritorBruno Erbe Constante

Golpe de Estado no século XXI: o caso de Honduras (2009)

Atualizado: 9 de mai. de 2022

Em meu texto de estreia para esta coluna, argumentei sobre a possibilidade de golpes de Estado ocorrerem sem necessariamente existir um papel ativo das Forças Armadas (FFAA). O argumento central do texto foi que os conceitos não são estáticos e transformam-se em consonância com a realidade objetiva. Portanto, um golpe de Estado é, antes de mais nada, uma ação que visa destituir um governo de forma ilegal, efetuada por agentes/órgãos do próprio Estado, podendo ter participação ativa, ou não, das FFAA.


Neste segundo texto da coluna Estação Regresso, buscarei analisar um exemplo concreto de golpe de Estado no século XXI: o golpe ocorrido em Honduras no ano de 2009. O objetivo deste texto é explicitar alguns dos fatores que motivaram as forças golpistas a destituírem o presidente Manuel Zelaya Rosales e as principais características desse golpe. Compreender o processo golpista hondurenho é importante porque inaugura o que se convencionou chamar de neogolpismo.


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No ano de 2005, foram realizadas eleições presidenciais em Honduras, colocando em lados opostos os candidatos Manuel Zelaya, do Partido Liberal de Honduras (PLH), e Porfírio Lobo Sosa, do Partido Nacional de Honduras (PNH). Após sancionada a vitória de Zelaya, o candidato derrotado questionou a legitimidade das eleições e, inicialmente, não reconheceu a vitória do oponente. Ainda assim, Zelaya assumiu o governo, buscando implementar uma agenda que pode ser resumida em cinco pontos: poder cidadão; crescimento econômico; estabilidade macroeconômica; desenvolvimento humano; e governabilidade e democracia participativa (CARDOSO, 2016, p. 66). É importante destacar que, embora não fosse nenhum político que estivesse no espectro mais à esquerda, como Hugo Chávez ou Fidel Castro, que realizaram reformas estruturais, o presidente pretendia realizar em seu governo “uma resposta pós-neoliberal” (GORI, 2014, p. 55).


Assim sendo, a implementação de políticas como a diminuição das taxas de juros dos bancos estrangeiros e o rompimento parcial com o monopólio privado da produção de energia, gerou embates entre o governo e empresas transnacionais. Além disso, o ingresso na ALBA (Alternativa Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América) e no Petrocaribe (aliança petroleira de alguns países do Caribe com a Venezuela) foram algumas das políticas responsáveis por construir novos laços, sobretudo com Cuba e Venezuela, países que não eram bem vistos por setores da direita em Honduras. Esteban de Gori (2014) argumenta que essas novas políticas preocuparam setores empresariais e políticos, que viam nesses novos vínculos uma guinada à esquerda por parte do governo.


O presidente de Honduras, José Manuel Zelaya, fala à imprensa após visita ao Congresso Nacional. 12 agosto 2009. Foto: José Cruz (Agência Nacional).

Ademais – e considerado o estopim para o desencadear do golpe de Estado –, Zelaya propôs, no ano de 2009, em consonância com os interesses dos movimentos sociais, a chamada Cuarta Urna – uma consulta popular que seria realizada em conjunto com as votações para o Congresso, para prefeituras e para a presidência, visando verificar o apoio da população à intenção de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.


Esse fato gerou diversas crises entre Zelaya e as FFAA, o Judiciário, o Congresso e mesmo entre membros do próprio Partido Liberal de Honduras. Sílvia Alvarez Cardoso (2019) afirma que a proposta de realização da Cuarta Urna polarizou a sociedade hondurenha entre os defensores da proposta – pequenos partidos aliados, movimentos sociais e seguidores do presidente no PLH – e um movimento de oposição – composto pela burguesia nacional, partidos políticos tradicionais, Forças Armadas e a Fiscalia General de La República (Procuradoria-Geral da República). Tal polarização levou a diversas disputas, entre março e junho de 2009, a respeito dos rumos da convocatória da consulta popular: de um lado, Zelaya, a partir de decretos, convocando a realização da Cuarta Urna; de outro lado, setores do Judiciário declarando a nulidade e a ilegalidade dos decretos, já que viam a consulta popular como uma manobra do presidente para aprovar uma reforma constitucional que permitisse sua reeleição. Apesar disso, Zelaya, amparado pelos movimentos sociais, foi a público e externou seu compromisso em manter a realização da Cuarta Urna.


No dia 26 de junho do mesmo ano, porém, a Corte Suprema de Justicia, acatando pedido do Fiscal General, acusou Zelaya de traição à pátria, abuso de autoridade e usurpação de suas funções. Diante disso, a justiça solicitou a captura do presidente. No dia 28 de junho de 2009, durante a madrugada, o presidente foi sequestrado em sua residência por militares das FFAA e expatriado para Costa Rica. No mesmo dia, parlamentares aceitaram uma suposta carta de renúncia de Zelaya, nomeando, em poucos dias, Roberto Micheletti (PLH), até então presidente do Congresso, como novo presidente interino de Honduras. Entretanto, após a análise feita pelo Laboratório Criminalístico e de Ciências Forenses do Ministério Público, concluiu-se que a assinatura de tal carta era falsa (CARDOSO, 2016, p. 88).


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Os fatos narrados acima resumem o golpe de Estado em Honduras, o qual inaugura o que alguns autores têm chamado de neogolpismo – expressão que ganhou destaque a partir do texto do professor de Relações Internacionais da Universidad Di Tella, Juan Gabriel Tokatlian, publicado na Pagina12. Neste novo tipo de golpe, argumenta Tokatlian, os setores da sociedade civil figuram como os responsáveis por encabeçar o processo, podendo contar com o apoio ativo ou passivo das FFAA. No caso de Honduras, o Exército teve papel ativo e explícito – sobretudo quando capturou e expatriou Zelaya. É por essa razão que diversos países condenaram o golpe – inclusive os Estados Unidos da América.


Manifestação popular em Honduras. Reprodução

Dito isso, quero destacar três características que foram importantes no processo golpista hondurenho e que estarão presentes nos neogolpes paraguaio (2012) e brasileiro (2016).


Em primeiro lugar, o Poder Judiciário teve papel atuante e decisivo no golpe. Esteban de Gori afirma que o Judiciário foi responsável por deslegitimar a proposição da Cuarta Urna, apelando “a um conjunto de artigos denominados ‘pétreos’ (GORI, 2014, p. 58). Ademais, é necessário salientar que a Corte Suprema de Justicia, mesmo sendo avisada sobre o sequestro realizado pelas FFAA, manteve-se em silêncio. À vista disso, Sílvia Cardoso ressalta que “houve uma perseguição jurídica ao mandatário com fortes motivações ideológicas” (CARDOSO, 2016, p. 85). Leticia Salomón, indo ao encontro deste argumento, conclui que “o sistema de justiça, fortemente partidarizado, se converteu em um facilitador jurídico em todo o processo golpista” (SALOMÓN, 2009, p. 3).


Em segundo lugar, o Congresso Nacional foi importante para a consumação do golpe, já que se converteu em um poder com capacidade de destituição sempre que um presidente não o agrada e atuou para legitimar o processo golpista. Neste sentido, como resposta imediata à notícia de que Zelaya fora expatriado, tal Congresso adotou diversas medidas controversas, como a aceitação da falsa carta de renúncia de Zelaya, a ágil nomeação do novo presidente interino e a criação de uma comissão investigadora para avaliar a conduta administrativa do presidente. Ademais, pouco tempo após o golpe, em 2011, como atesta Sílvia Cardoso, “o Congresso Nacional de Honduras aprovou uma reforma no artigo 5 da Constituição liberando as consultas populares orientadas a reformar o artigo 374, o que anteriormente restringia a forma de governo, o período presidencial e a reeleição” (CARDOSO, 2016, p. 83), contrariando seu principal argumento contra o ex-presidente, isto é, de que este pretendia se manter no poder após uma possível reforma na Constituição.


Por último, os meios de comunicação privados, representados sobretudo pelo periódico Tiempo, tiveram papel central no processo, seja ao se posicionarem de forma contrária às políticas do então presidente, seja ao produzirem uma narrativa que visou legitimar o processo golpista. Neste sentido, Sílvia Cardoso (2019) argumenta que o termo “sucessão presidencial” foi utilizado exaustivamente e que houve uma atuação midiática com o intuito de reduzir o papel dos militares, de criminalizar os movimentos de resistência ao golpe e de construir uma opinião pública positiva e legal sobre todo o processo.


Para finalizar, como já dito, algumas das características do golpe Hondurenho que apresentei aqui estiveram também presentes nos casos paraguaio e brasileiro. Embora não caiba no escopo deste texto aprofundar essa comparação, penso ser importante destacar isso porque um dos elementos comuns entre tais processos é a tentativa de se forjar uma aparência de legalidade na consumação do ato golpista, utilizando-se, para isto, de interpretações abusivas da lei. Tal elemento se configura, a meu ver, como um dos principais traços do neogolpismo.


Créditos da imagem destacada: El expresidente de Honduras Manuel Zelaya (c) participa en el acto conmemorativo de décimo aniversario del golpe de Estado del 28 de junio de 2009, el pasado viernes, en Tegucigalpa. Reprodução.


 

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Matheus Alexandre; PEREIRA, Vanessa dos Santos. Rupturas, neogolpismo e América Latina: uma análise sobre Honduras, Paraguai e Brasil. Revista Katál, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 125-136, jan.-abr. 2018.

CARDOSO, Sílvia Alvarez. Golpe de Estado o século XXI: o caso de Honduras (2009) e a recomposição hegemônica neoliberal. Universidade de Brasília. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, 2016.

DE GORI, Esteban. Zelaya: del palácio a la plaza. In: DE GORI, Esteban (org.). Honduras 2013 – Golpe de Estado, elecciones y tensiones del orden político. Buenos Aires: Serie Academica, 2013, p. 52-61.

TOKATLIAN, Juan Gabriel. Neogolpismo. Página/12, Buenos Aires, 13 jul. 2009.


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