O golpe de 2016, a grande mídia e a posição de “cão de guarda” diante do poder político
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  • Foto do escritorBruno Erbe Constante

O golpe de 2016, a grande mídia e a posição de “cão de guarda” diante do poder político

Atualizado: 26 de jan. de 2023

Faz algum tempo que a imprensa passou a compor o repertório de quem se dedica a compreender o passado e o presente brasileiros. Segundo Ana Luiza Martins e Tânia Regina de Luca (2008, p. 10), isso se deve pelo reconhecimento de que a história de nosso país e a história da mídia caminham lado a lado: se autoexplicam, se retroalimentam, sendo, a um só tempo, objeto e sujeito de uma mesma história. Portanto, é sobre a atuação da grande mídia – com particular destaque para a Folha de S. Paulo – que este texto irá tratar.


Oposição entrega a Cunha novo pedido de impeachment contra Dilma Rousseff. 21 out. 2015. Imagem: Antônio Cruz/ Agência Brasil. Wikimedia Commons.

No dia 2 de dezembro de 2015, a grande mídia brasileira divulgou que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, havia aceitado o pedido de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. A Folha de S. Paulo, em editorial do dia seguinte, intitulado “O vício contra o vício”, criticava Cunha, considerado “suspeitíssimo” e um “político denunciado na Operação Lava Jato, acusado de corrupção e flagrado em pleno controle de contas bancárias na Suíça”. Ao mesmo tempo, elogiava a atuação do então presidente da Câmara, afirmando que “talvez, entretanto, Eduardo Cunha tenha razão [...], [pois] o impasse político em torno do impeachment tem feito mal ao país”. O editorial buscava atingir a classe política, já que, para a Folha, era necessário decidir-se de uma vez, “renovando a legitimidade da presidente Dilma Rousseff, ou negando-a em favor de uma solução pacífica, institucional e democrática – por traumática que possa ser”.


Após destinar o editorial aos políticos que podiam votar favoravelmente ou não ao processo de destituição, o jornal buscou construir as bases argumentativas, fomentar a “opinião pública”, para legitimar o que quer que fosse feito. Isso se evidencia em outro editorial, intitulado “Forma, não conteúdo”, no qual a empresa jornalística afirmou que, “não custa lembrar”, o julgamento “é essencialmente político”. Ora, naquela época já era evidente que se tratava de uma questão política. Não obstante, era necessário que houvesse crime de responsabilidade que embasasse o pedido de afastamento de quem quer que fosse – algo que não houve. Além disso, ser uma decisão de cunho político significa que, caso não haja consenso sobre a presença de crimes de responsabilidade, o Congresso deve se abster de invalidar o que foi legitimado pelo voto popular e, também, deve ter mais cautela na aplicação de medidas que revogassem o resultado eleitoral. Não foi o que ocorreu.


Dilma Rousseff faz sua defesa na sessão de julgamento do dia 29 de agosto de 2016. Imagem: Marcos Oliveira/ Agência Senado. Wikimedia Commons.

O editorial auxiliou na construção de uma “opinião pública” favorável ao golpe, indicando que, em conjunto com diversos outros publicados entre dezembro de 2015 e agosto de 2016, os grandes veículos de comunicação buscam introduzir suas coordenadas e linguagens próprias nas principais disputas políticas, objetivando forjar a agenda política nacional (Lattman-Weltmann, 2003, p. 129-130). Além disso, indica que a grande mídia busca conformar a realidade segundo seus próprios interesses (Capelato, 1988). Contudo, esse papel ativo das empresas jornalísticas sobre os processos políticos nem sempre foi assim. Em um passado não tão distante, a imprensa era “uma espécie de apêndice ou um recurso a mais nas mãos dos agentes políticos”, ou seja, “ela surgiu a reboque das disputas político-partidárias e assim permaneceu até muito recentemente” (Grijó, 2016, p. 77).


Todavia, durante o período ditatorial brasileiro, pouco a pouco, ocorreu uma transformação no papel conferido à imprensa, pois a ditadura acabou por desencadear, paradoxalmente, um “fortalecimento empresarial, cujas condições para tal eram possibilitadas, garantidas e mantidas pelas políticas públicas do governo” (Grijó, 2016, p. 87). Dito de outra forma, a partir da conjugação do processo de consolidação do meio empresarial com a distensão gradual da ditadura, os meios de comunicação mudaram sua relação de poder com a política: de rebocados por esta, passaram a conduzi-la. E é esse o atual estado em que nos deparamos e que pode ser visualizado na manifestação de Maria Judith Brito, que foi diretora-superintendente da Folha de S. Paulo em 2010, época em que o PT estava à frente do Executivo Federal. Segundo suas palavras, “[...] os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição de oposicionista deste país” (O GLOBO, 2010). Percebe-se, dessa maneira, que existe uma relação constitutiva entre a grande mídia e a política.


É fundamental que compreendamos essa concepção sobre a grande mídia, pois, em outubro, a maioria da sociedade brasileira escolheu, de forma democrática, eleger um novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao que tudo indica, sua eleição foi suficiente para que a grande mídia passasse a uma posição de “cão de guarda”, na expressão do pesquisador Fernando Antônio Azevedo (2017).


Essa posição se materializa, por exemplo, em editorial publicado pela Folha em 11 de novembro de 2022. Intitulado “Mau começo”, a família Frias, responsável pelo Grupo Folha, demonstra como a grande mídia pode ser virulenta quando quer – e com quem quer. De acordo com o texto, em pouco tempo o presidente recém-eleito “conseguiu derrubar grande parte das esperanças de que seu governo vá adotar uma política econômica racional e socialmente responsável”. O editorial segue tecendo críticas ao que intitula de “demagogia rasteira”, referindo-se ao “falatório” de Lula no que tange às questões econômicas. Para a empresa jornalística, caso o futuro governante coloque em prática o que está divulgando, “a sangria dos cofres do Tesouro não tardará a alimentar a inflação, que mal deixou o patamar de dois dígitos, os juros – já estratosféricos hoje – e a dívida pública”. Ao fim, a Folha de S. Paulo alerta que “de mais certo, o que se tem até aqui é um mau começo”.


Lula sobe a rampa do Planalto e recebe faixa presidencial em sua terceira posse como presidente da República. 1 jan. 2023. Imagem: Tânia Rego/ Agência Brasil. Wikimedia Commons.

O editorial acima diz muito sobre a incipiente “posição de oposicionista” adotada pela grande mídia e parece indicar como será a relação dos maiores veículos de comunicação de nosso país com mais um governo em que o PT estará à frente do Executivo Federal. E aqui não se trata de fazer alarmismos, tampouco de superdimensionar o papel da imprensa, mas de compreender que a grande mídia consegue pautar a agenda política da sociedade, sobretudo em seus editoriais. Aliás, nas palavras de um dos próprios editorialistas da Folha, em entrevista concedida ao pesquisador Guilherme Guerreiro Neto (2016, p. 98), os editoriais visam atingir “formadores de opinião, tomadores de decisão, empresários, professores universitários, pessoas que têm uma preocupação menos imediatista com o jornal e com o país”. Dessa forma, esse tipo textual não visa informar, mas pautar o que deve ou não – e como deve – ser tratado.


Portanto, nós, do campo progressista, devemos tomar cuidado e assumir, assim como a mídia faz em relação à política, uma posição de “cão de guarda” para com a imprensa, pois, ao fazermos isso, conseguiremos sinalizar, sempre que necessário, as investidas da mídia em ditar temas e opiniões. Se isso irá frear o ímpeto e as tendências golpistas que parte de nossa mídia possui, o ditado popular responde: só o tempo irá dizer. Mas, palpite de um pessimista, parece-me que não.


 
  1. Entendo por grande imprensa os diversos periódicos que – em determinado contexto – compõem a porção mais significativa em termos de circulação, aparelhamento técnico, organizacional e financeiro. Cf. LUCA, 2008, p. 124.

REFERÊNCIAS:


AZEVEDO, Fernando Antônio. A grande imprensa e o PT (1989-2014). São Carlos: EdUFSCar, 2017.

CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

GRIJÓ, Luiz Alberto. A democracia sequestrada: mídia e poder no Brasil atual. Anos 90. Porto Alegre, v. 23, n. 43, p. 67-92, jul. 2016.

GUERREIRO NETO, Guilherme. Da opinião à identidade: características do editorial em dois jornais brasileiros. Sobre o jornalismo, v. 5, n. 2, p. 92-105, 2016.

LATTMAN-WELTMAN, Fernando. Mídia e transição democrática: a (des)institucionalização do panóptico no Brasil. In: ABREU, Alzira Alves de; LATTMAN-WELTMAN, Fernando; KORNIS, Mônica Almeida (Org.). Mídia e política no Brasil: jornalismo e ficção. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 129-183.

LUCA, Tânia Regina de. A grande imprensa na primeira metade do século XX. In: MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tânia Regina de (Org.). História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 149-175.


Como citar este artigo:

CONSTANTE, Bruno Erbe. O golpe de 2016, a grande mídia e a posição de “cão de guarda” diante do poder político. História da Ditadura, 24 jan. 2023. Disponível em: https://www.historiadaditadura.com.br/post/o-golpe-de-2016-a-grande-midia-e-a-posicao-de-cao-de-guarda-diante-do-poder-politico. Acesso em: [inserir data].


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