Entrevista com o historiador Jacob Blanc
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Entrevista com o historiador Jacob Blanc


A coluna Brasil por Brazil, editada por Lucas Koutsoukos-Chalhoub e Luiz Paulo Ferraz, busca aumentar as oportunidades para o público brasileiro conhecer pesquisas e obras sobre o Brasil produzidas fora do país entrevistando pesquisadores brasileiros e estrangeiros atuantes no exterior.


Jacob Blanc é professor de história na University of Edinburgh (Escócia). Nesta entrevista, conversamos sobre seu livro Before the Flood: The Itaipu Dam and the Visibility of Rural Brazil publicado pela Duke University Press em 2019 e pela editora Garamond em 2021 com o título Antes do Dilúvio: Itaipu e a História da Ditadura no Campo.


Qual o tema do livro e como surgiu a ideia de escrevê-lo?


O livro trata das mobilizações rurais no oeste do Paraná. Eu sigo as trajetórias e vivências dos agricultores, dos camponeses sem terra e da comunidade indígena Avá-Guarani – todos deslocados no final dos anos 1970 e no início dos anos 1980, durante a construção e inundação da barragem e do reservatório de Itaipu. Exploro estas experiências para examinar a história da ditadura no campo e para colocar estas lutas pela terra e justiça no contexto mais amplo da História Rural que se desenvolveu, independentemente de o Brasil estar sob governo militar ou democrático.


Quando comecei meus estudos de doutorado, eu sabia que queria estudar os movimentos trabalhistas rurais, mas não tinha certeza se seria no Chile, no México ou no Brasil – os três países que eu conhecia melhor na América Latina. Sempre me interessei pela história dos movimentos trabalhistas e estudantis, mas sentia que já havia tanta erudição sobre os movimentos urbanos, que fiquei curioso sobre essas histórias no campo. Antes de começar o doutorado, eu vivia no sul do Chile, em uma área muito rural, e isso também me convenceu da importância de estudar o campo. Eventualmente, ao explorar diferentes estudos de caso, encontrei Itaipu. O caso pareceu-me incluir muitas das narrativas que me interessaram: luta rural, direitos da terra, ditadura, História Ambiental e a luta pela democracia e por direitos políticos.


Como você enxerga a contribuição do seu livro para a historiografia?


Enxergo de duas maneiras. Primeiro, chamei a atenção do campo para entendermos melhor como o período de governo militar foi vivido – e contestado – fora das grandes arenas urbanas, que têm sido o foco tradicional da historiografia sobre a ditadura e a democracia. Em segundo lugar, coloquei as histórias das três categorias de brasileiros rurais em Itaipu – os agricultores, os camponeses e os Avá-Guarani – em relação umas com as outras para entender melhor como as questões de acesso à terra, identidade étnica e sensibilidades políticas no campo determinam quais grupos são vistos pela sociedade dominante como atores políticos e sociais “legítimos” e quais são tornados invisíveis. Especialmente quando colocadas à sombra da represa de Itaipu – que inundou quase 1.500 km² de terra –, as questões do deslocamento e/ou do apagamento são muito importantes para explorar quais histórias persistem e se tornam conhecidas.


Como seu livro dialoga com a historiografia brasileira, e que obras e autores do Brasil te ajudaram a pensar o tema?


Há muitos grandes estudiosos brasileiros que inspiraram e informaram meu trabalho: Leonilde Medeiros, sobre a história dos movimentos sociais rurais; José Lindomar Albuquerque, sobre os imigrantes brasileiros no Paraguai; Maria Lucia Brant de Carvalho, sobre a história e etnografia dos Avá-Guarani; Carlos Fico, sobre narrativas e poder durante a ditadura; Guiomar Germani sobre o movimento MASTRO (Trabalhadores Sem Terra do Oeste do Paraná), entre tantos outros. Meu livro também foi traduzido para o português e publicado pela Editora Garamond com o título Antes do dilúvio: Itaipu e a história da ditadura no campo. Eu realmente espero que os brasileiros se engajem no livro, o desafiem e o utilizem para continuar tornando a historiografia ainda mais forte.


Quais foram as principais fontes utilizadas em sua pesquisa e como você chegou até elas?


Eu tinha dois tipos principais de fontes: entrevistas e arquivos. Em relação às entrevistas, realizei quase cinquenta com ex-participantes dos movimentos, assim como com políticos, jornalistas e oficiais militares. Já em relação aos arquivos, além de utilizar os arquivos municipais e locais e os arquivos dos sindicatos rurais, a grande contribuição do meu livro veio da possibilidade de acesso aos arquivos da Itaipu Binational Corporation – algo que nenhum estudioso tinha sido capaz de fazer anteriormente. Passei quase dois meses com os arquivos do diretório executivo da Itaipu, de seu escritório jurídico, seu departamento de relações públicas, sua segurança interna e de sua comunicação com políticos, ministérios, veículos de comunicação, empresas privadas e organizações comunitárias.


O sistema de segurança da Itaipu estava tão meticulosamente embutido no próprio aparato de vigilância da ditadura que o centro de documentação resultante da barragem contém relatórios confidenciais sobre aparentemente todos os eventos políticos ou atividades sociais da região circunvizinha. Este arquivo inclui pastas dedicadas a discursos políticos, comunicados à imprensa, artigos de jornal e comunicação entre a liderança da Itaipu, a polícia militar e o governo federal.


O momento em que realizei a minha pesquisa também foi crucial. Como realizei trabalho de campo imediatamente após a Comissão Nacional da Verdade – cujo relatório foi divulgado em dezembro de 2014 –, me beneficiei da tendência emergente de acesso público aos documentos do regime militar. Em particular, o projeto Memórias Reveladas, através do Arquivo Nacional, ofereceu um vasto acervo de material primário – e este livro é o primeiro a incorporar os documentos desclassificados relativos à Itaipu e ao movimento dos agricultores.


Qual a história mais interessante que você se deparou ao longo da pesquisa para o livro ou a que mais te surpreendeu?


A verdadeira história que descobri sobre a incursão do Brasil em território paraguaio foi uma surpresa muito agradável. Estudiosos e moradores locais há muito sabiam da incursão, mas, até minhas pesquisas nos arquivos do Itamaraty, não havia nenhuma prova concreta de que o Exército Brasileiro havia atravessado para o Paraguai para reivindicar as margens do rio Paraná e, assim, controlar os parâmetros de uma eventual barragem hidrelétrica. Essa foi uma história muito divertida de ter trabalhado e ajudado a elucidar.


Em termos do que mais me surpreendeu, foram provavelmente as tensões entre os agricultores, os camponeses sem terra e os indígenas brasileiros. É claro que houve momentos de solidariedade e colaboração entre os diferentes grupos deslocados por Itaipu, mas minha pesquisa também mostrou a extensão dos conflitos e as hierarquias no campo. Muitos dos agricultores, por exemplo, haviam feito parte da onda inicial de imigração para as terras fronteiriças do oeste do Paraná que invadiram o território indígena. E, durante a luta em Itaipu, as necessidades dos camponeses sem terra raramente foram levadas a sério, porque a principal demanda do movimento era receber mais dinheiro como compensação pelas terras inundadas. Aqueles que não possuíam legalmente suas terras (como posseiros, boias-frias, empregados etc.) ficaram com quase nada no eventual acordo conquistado em Itaipu. Por isso, os sem-terra de Itaipu passaram a organizar um movimento independente, que desempenhou um papel importante na fundação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Como estudioso interessado na dinâmica e na experiência cotidiana do campo latino-americano, achei muito elucidativo aprofundar não só nos movimentos e nas vitórias em Itaipu, mas também nas contradições e nas tensões internas. Estas são igualmente importantes, se não mais importantes, para entender a história maior do Brasil rural.


Que perguntas o seu livro deixa em aberto, ou que novos caminhos você espera que sejam explorados em pesquisas futuras sobre o tema?


Itaipu é uma barragem binacional e o deslocamento ocorreu em ambos os lados da fronteira entre Paraguai e Brasil. Mas, infelizmente, meu livro se concentra quase inteiramente no que aconteceu no lado brasileiro. Ainda há uma história realmente importante para contar sobre o deslocamento rural no Paraguai. Carlos Gómez Florentín escreveu sua tese de doutorado sobre isso, e acredito que seu livro sairá eventualmente. Recentemente, Christine Folch também escreveu um livro fantástico sobre a história política e ecológica de Itaipu a partir da perspectiva paraguaia. Porém, ainda há histórias importantes a serem contadas sobre os aspectos transnacionais da barragem e o processo de deslocamento. Além disso, eu poderia ter dado mais espaço à história ambiental de Itaipu: meu livro foi, em sua maioria, uma história política e social, com alguns temas ambientais salpicados. Mas alguém ainda poderia escrever uma história ambiental realmente fascinante de Itaipu.



 

Esta entrevista ocorreu por escrito e foi traduzida e editada antes da publicação.

Contate a coluna em brasilporbrazil@gmail.com

Lucas Koutsoukos-Chalhoub

Luiz Paulo Ferraz

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