As relações da ditadura com os casos de corrupção no Serviço de Proteção ao Índio (SPI)
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As relações da ditadura com os casos de corrupção no Serviço de Proteção ao Índio (SPI)

Atualizado: 1 de mai. de 2021

 

Monografia: Resistir nos subterrâneos: o Relatório Figueiredo e o desenvolvimentismo na ditadura civil-militar brasileira (1964-1968)


Autor: Breno Luiz Tommasi Evangelista (email: breno95tommasi@hotmail.com | Lattes)


Orientadora: Janaina Martins Cordeiro


Instituição: Universidade Federal Fluminense, 2017

1. Qual a questão central da sua pesquisa?

Minha pesquisa buscou compreender como foram tratadas pela ditadura as denúncias, reunidas no documento intitulado Relatório Figueiredo, sobre os crimes contra os indígenas praticados por funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Dessa forma, propus uma análise pendular, por um lado enfocando a posição ocupada pelo Estado, consequentemente pelos militares que ocupavam a cúpula do poder no período, frente à Comissão de Inquérito (n. 239/67) que deu origem ao Relatório. Paralelamente, investiguei o papel da grande imprensa na divulgação do caso e na linha de frente de um movimento que cobrava a investigação e a punição dos culpados, movida por um forte discurso anti-corrupção que, muitas vezes, soterrou a questão específica dos crimes contra os indígenas.

2. Resumo da pesquisa

Primeiramente, julguei fundamental compreender a formação do Serviço de Proteção ao Índio e os primeiros trabalhos indigenistas no Brasil, assim como as relações estabelecidas entre essas atividades e os militares ainda nos anos 1900. Isto posto, procurei estabelecer o contexto em que os crimes contra os indígenas foram tema de investigação do poder público, período esse profundamente marcado pela gênese de um novo projeto desenvolvimentista, próprio da ditadura e que amadureceria na década de 1970. Em seguida, desenvolvi a pesquisa a partir do estudo do Relatório Figueiredo em si, analisando sobretudo os implicados nos crimes e as conclusões presentes no documento. Consequentemente, propus abordar a trajetória dos responsáveis pela Comissão de Inquérito, bem como suas relações com a ditadura e com a política nacional. Por fim, tratei de debater a dupla política de silêncio, isto é, os crimes contra os indígenas e o papel da sociedade na ditadura e nas ações repressivas do regime.

3. Quais foram suas conclusões?

Percebi o estabelecimento de relações entre civis e alguns militares na prática de crimes contra os indígenas. Sendo o Relatório um documento de denúncia dos crimes de funcionários – na sua maioria civis – que acabou por revelar a participação de alguns militares, estamos diante de uma desconstrução do mito de que o Relatório Figueiredo é em si um documento de denúncia contra a ditadura. A Comissão que lhe deu origem foi formada por um militar da chamada linha dura do regime, o então ministro do Interior, general Albuquerque Lima, que acompanhou de perto os trabalhos do encarregado pelas investigações, Jáder de Figueiredo, cujo padrinho político era um importante nome da ARENA, partido dos militares. A Comissão de Inquérito e as declarações do ministro do Interior apontam, em contrapartida, para uma tentativa de aprofundar a crise vivida pelo Serviço de Proteção ao Índio afim de legitimar sua extinção e, consequentemente, a criação de um órgão alinhado com a política defendida por Albuquerque Lima. A imprensa reservou a maior parte da sua atenção às cobranças por um combate a corrupção no serviço público, eclipsando por vezes a questão indígena. Os militares, que haviam chegado ao poder com um discurso anti-corrupção, foram gradualmente abandonando a pauta e omitindo os casos ou embargando as investigações quando se viram ameaçados pela repercussão que tomavam, inclusive com a implicação de “homens de farda” em crimes. O silêncio em que caiu o documento, como grande parte do debate sobre a questão indígena no Brasil dos anos 1960 e 1970, foi parte de um processo muito mais amplo no qual a memória social brasileira rotulou a própria sociedade como vítima na sua forma mais integral da ditadura. O que os estudos sobre esse período passam a revelar é o apoio de parte da sociedade ao regime e a ocorrência da participação de civis na repressão do regime, sobretudo às populações indígenas. A imprensa e diversos grupos sociais, sobretudo as classes médias urbanas, corroboraram o discurso anti-corrupção mas não questionaram a situação dos indígenas na sociedade. A repressão a essas populações antecede e ultrapassa a ditadura, sendo fundamental reconhecermos essa realidade mas sem ignorarmos as especificidades do regime civil-militar e dos crimes em nome do seu suposto “desenvolvimento”.

4. Referências 

Janaína Martins Cordeiro. A ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.

José Mauro Gagliardi. O Indígena e a República. São Paulo: HUCITEC – Editora da Universidade de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, Estudos Brasileiros, v. 25, 1989.

Elena Guimarães. Relatório Figueiredo: entre tempos, narrativas e memórias. 204 f. Dissertação (Mestrado em Memória Social) – Universidade Federal do Estado do Rio. Rio de Janeiro. 2015.

Denise Rollemberg; Samantha Viz Quadrat (Orgs.). A construção social dos regimes autoritários: Legitimidade, consenso e consentimento no século XX. Volume II: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

Breno Tommasi é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense. Possui experiência na área de História, com ênfase em História Contemporânea e foco nas relações Estado-Sociedade e seus desdobramentos. Seus estudos enfocam a questão indígena, sua representação feita pela ditadura civil-militar brasileira (1964-1978) e a construção de um discurso sobre o lugar do indígena na sociedade, em diálogo com os projetos desenvolvimentistas gestados no interior do Estado. Possui como principais temas de abordagem: memória, questão indígena, ditadura, militarismo, Estado.

Caso queira divulgar sua pesquisa sobre temas relacionados às ditaduras latino-americanas do século XX ou sobre questões do Brasil contemporâneo, não necessariamente na área de História, escreva para o email: hd@historiadaditadura.com.br

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