Memórias formadoras de narrativas na cidade de Brasília
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Memórias formadoras de narrativas na cidade de Brasília

Atualizado: 29 de abr. de 2021

 

Dissertação: Navegando no Lago Paranoá: Brasília e seus moradores

Autor: Guilhermo Silveira Braga Vilas Boas (Lattes | Dissertação)

Orientadora: Eloísa Pereira Barroso


Instituição: Universidade de Brasília, 2016

1. Qual a questão central da sua pesquisa?

O trabalho em questão procurou focar as experiências constituidoras das memorias dos moradores de Brasilia e suas vivências em relação à cidade e, sobretudo, ao Lago Paranoá. Com um recorte cronológico do período imediatamente pré-inauguração oficial da cidade (final da década de 1950) até os dias atuais, tentou-se verificar em que medida as narrativas foram formadas a partir da rotina dos moradores da cidade: de um lado, os mais próximos; e do outro, os mais distantes. Assim, buscou-se verificar como tais rotinas dialogaram com o sentimento de pertença à nova cidade e de como tal relação influenciara na constituição dos espaços produzidos a partir das vivências e experiências dos citadinos junto à consolidação e crescimento da cidade.

2. Resumo da pesquisa

A cidade de Brasília traz consigo grande carga simbólica e expressiva diante da sociedade brasileira, onde o panorama surgido em torno de sua materialização ultrapassa os princípios modernistas que ditaram sua concepção. Com o crescimento e consolidação da cidade, houve a criação e o estabelecimento de variados espaços de convivência e inter-relacionamento entre os grupos responsáveis por dar vida à nova capital. Verificar e entender como os lugares e elementos citadinos foram apreendidos e percebidos pelos moradores de Brasília torna-se tarefa relevante para entender a constituição da própria cidade, através de quem a vivenciou, de fato. Partindo-se da hipótese de que as apropriações do Lago Paranoá pelos moradores da cidade contribuíram para a construção/reconstrução do sentimento de pertença à cidade, esta pesquisa procurou trabalhar o Lago Paranoá como um agente propiciador de embates e disputas em torno dos espaços originados a partir de sua presença e ausência no dia-dia dos moradores de Brasília. A partir de depoimentos que permitiram compor a história do Lago Paranoá, em diferentes temporalidades, são apresentados narradores e narradoras cujos discursos são entremeados por elementos do seu cotidiano, através de memórias que são articuladas de modo a explicar o mundo que os rodeia, onde silenciamentos e processos de exclusão são explicitados e quebrados, configurando interpretações e visões para a cidade, que é sentida e percebida.

3. Quais foram suas principais conclusões?

Desde sua concepção e formação, o Lago Paranoá se mostrou como um espaço de disputas, sendo que os diferentes grupos de moradores da nova cidade não puderam desempenhar (com a mesma liberdade e direitos de cidadania) uma rotina junto às suas margens. Desde as chácaras dos sertanejos que ladeavam a barragem, passando pela Vila Amaury e, posteriormente, a Vila do Paranoá, os habitantes das camadas mais pobres e desfavorecidas que se instalavam próximos ao espelho d‘água foram marginalizados quanto ao usufruto e direito de moradia no que fora determinado como áreas residenciais. O crescimento da cidade e, consequentemente, da utilização e transformação do território, trouxera novos elementos com os quais a população pôde interagir, onde as relações sociais constituíram experiências e apropriações dos diversos espaços produzidos por esta atuação.

Neste sentido, o Lago Paranoá mostrou-se como um elemento caracterizador de disputas sobre a terra e o que dela pode ser utilizado como definidor de presença na cidade, legitimando-a. No que diz respeito aos diversos grupos que compõem a cidade, foi possível verificar certa relação conflituosa nos discursos e diálogos proferidos sobre as construções memoriais em torno do Lago e sua relação com Brasília.

Assim, foi constatada certa disputa (por muitas vezes camuflada) acerca da memória em torno do Lago, desenvolvida, muitas vezes, por agentes do Estado (escolas e autoridades públicas) e moradores de áreas mais distantes da área central. Enquanto nos ambientes escolares do Plano Piloto (área original e projetada por Lúcio Costa) as funções do Lago como embelezador paisagístico e propagador da umidade eram reforçadas, nas “cidades satélites” as crianças eram provocadas a pensar o Lago Paranoá como um lugar definidor e delimitador de Brasília, pois aquele deveria ser a praia da nova capital. Tal questão denota a demanda daqueles moradores (mais distantes) em torno de um espaço que enxergavam como pertencente à cidade, independentemente do seu local de moradia ou dos círculos sociais frequentados. Assim como ocorre em outras grandes cidades litorâneas brasileiras e o espaço surgido a partir da orla marítima (onde suas praias são contempladas e trabalhadas pelas vivências dos moradores), havia a mesma expectativa em relação aos moradores de Brasília nos primeiros anos da cidade. Entretanto, mesmo com certo esforço em se produzir o contato com o Lago através de excursões, a apropriação e sentimento de posse (e usufruto) não puderam ocorrer, indicando que os silenciamentos sobre este espaço não puderam ser, de fato, rompidos, pois as narrativas dos “distantes” não registram o Lago Paranoá em uma posição de familiaridade, algo com que pudessem se identificar.

Por último, o conjunto formado por meio da correlação e diálogo entre os documentos escritos e as oralidades presentificadas nas narrativas dos moradores, puderam formar um quadro significativo das relações entre os moradores de Brasília e o Lago Paranoá, pois a constituição de espaços tão diferenciados perante a população acabou por resultar em sentimentos diversos perante o mesmo, porém, sem nunca perdê-lo de vista ao longo da trajetória da nova capital do Brasil. Se, por um lado, o Lago Paranoá não conseguira ser apreendido de forma a ser agregado como um elemento definidor do sentimento de pertença e familiaridade junto à cidade, pelos diversos grupos e indivíduos, por outro, vem encontrando, nos últimos anos, cada vez mais protagonismo diante dos cenários construídos e debatidos em torno dos silenciamentos e exclusões ocorridos por tanto tempo ao longo de sua orla e de suas margens sob a sombra da restrição à maioria da população de Brasília.

Walter Benjamin. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Id. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Obras Escolhidas, v. 1).

Antonio Menezes Junior; Marta L. Sinoti; Regina C. F. Saraiva. Histórico. In: Fernando Oliveira Fonseca (Org.). Olhares sobre o Lago Paranoá. Brasília: SEMARH, 2001. p. 25-43.

Márcio de Oliveira. Brasília: o mito na trajetória da nação. Brasília: Paralelo 15, 2005. (Biblioteca Brasília, 1).

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Guilhermo Silveira Braga Vilas Boas é graduado em História pela Universidade de Brasília e mestre pela mesma instituição, tendo estudado a relação entre o Lago Paranoá e as narrativas constitutivas de memórias e sentimento de pertença dos moradores de Brasília. Possui ainda experiência profissional na área de pesquisas socioeconômicas e cadastro de endereços, tendo atuado no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, é analista em Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lotado na Coordenação do Programa de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais.

Caso queira divulgar sua pesquisa sobre temas relacionados às ditaduras latino-americanas do século XX ou sobre questões do Brasil contemporâneo, não necessariamente na área de História, escreva para o email: hd@historiadaditadura.com.br

 

Crédito da imagem destacada: Governo brasileiro

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