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Foto do escritorHistória da Ditadura

A atuação da Igreja Católica em Propriá-SE durante a ditadura militar

Atualizado: 30 de abr. de 2021

 

Dissertação: O confronto da fé ante o escândalo da pobreza: a emergência da opção preferencial pelos pobres na Diocese de Propriá-SE (1968-1979)


Autor: Osnar Gomes dos Santos (email: dragaosoviete@gmail.com | Lattes)


Orientadora: Irinéia Maria Franco dos Santos


Instituição: Universidade Federal de Alagoas, 2017

1. Qual a questão central da sua pesquisa?

O município de Propriá, situado ao norte do Estado de Sergipe, está em uma região marcada pela concentração de terras e, portanto, pelo domínio econômico-político de famílias oligarcas. A diocese de Propriá é um bom exemplo dos distintos caminhos trilhados por parte da Igreja Católica durante a ditadura militar. Ademais, o ambiente em que estava localizada, coberto por iniquidades estruturais, ilustra precisamente o que os setores católicos mais envolvidos com a questão social, inspirados pelo movimento de renovação orquestrado pelo papa João XXIII, desejavam combater. Entretanto, esse cenário, formado sobretudo pela grande propriedade, não era necessariamente o mesmo que o enfrentado por outras dioceses, principalmente por aquelas situadas nas áreas mais urbanizadas do país. Esse é um dos motivos que explica os diferentes modos de recepção das encíclicas sociais de João XXIII, das exortações apostólicas do Vaticano II, incluindo a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, e da emergência da “opção preferencial pelos pobres” nas mais variadas dioceses brasileiras. Sendo assim, foi ponto fulcral da minha pesquisa procurar levar em consideração tais questões a fim de fazer a análise de um caso particular da instituição. O intuito principal foi examinar de forma mais completa os passos da Igreja Católica no Brasil durante um período de fechamento político e institucional.

2. Resumo da pesquisa

A dissertação pretendeu analisar a emergência da “opção preferencial pelos pobres” na Diocese de Propriá, situada na região do polígono da seca e também na área mais pobre do estado de Sergipe. A mudança de lugar social da Diocese de Propriá e a modificação em sua linha eclesiológica, acompanhando o movimento de renovação da Igreja Católica iniciado em fins dos anos 1950, reverberaram substantivamente no quadro marcado pelo enrijecimento da ditadura militar. A pesquisa procurou encontrar as origens do alvorecer da inédita “opção pelos pobres”, através da investigação dos aspectos institucionais da Igreja Católica somados a elementos exteriores do fenômeno assinalado, a exemplo da conjuntura política, econômica e cultural do período que se esquadrinha entre a publicação das encíclicas sociais do papa João XXIII e o início do movimento de descenso da Teologia da Libertação. Um dos aspectos importantes em estudar o caso particular da Diocese de Propriá é a revelação de especificidades da Igreja progressista e da sua oposição incisiva aos ditames da ditadura militar e da ordem econômica, dando novas direções à política nacional e formando instrumentos de luta autônomos, que procuravam dar protagonismo a estratos sociais marginalizados. A dissertação teve, ainda, a relevância de desvelar a articulação de setores da sociedade civil com o “estado de exceção”, que funcionou, em várias ocasiões, como extensão do poder privado de dirigentes políticos e das classes dominantes.

3. Quais foram suas conclusões?

A pesquisa desmonta de forma substantiva o discurso oficial do campo conservador católico usado para justificar a derrocada histórica da Teologia da Libertação na América Latina. De acordo com esse discurso, a Teologia da Libertação teria desaparecido como uma espécie de epifenômeno da conjuntura política.  Em outras palavras, “foi a Queda do Muro de Berlim que deu o ‘golpe mortal’ na Teologia da Libertação”; parafraseando uma importante fala do arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, durante uma entrevista para o programa Roda Viva, da TV Cultura. No entanto, as fontes revelaram algo muito diferente, mais complexo e até mesmo chocante: um vendaval de conspirações e perseguições de todo o tipo, envolvendo uma série de protagonistas que mudavam a depender da região – inclusive do próprio clero; além de agentes internacionais, companhias públicas e privadas, políticos da ARENA, prefeitos, importantes fazendeiros e até promotores públicos. Um ambiente cimentado por ameaças que incluíam até mesmo assassinatos por encomenda. Vale lembrar a tentativa frustrada de assassinar os bispos dom Helder Câmara e o bispo da Diocese de Propriá, dom José Brandão de Castro, em meio a uma procissão na cidade de Propriá. O caso ganhou rápida repercussão nacional. Na ocasião, uma kombi em alta velocidade por pouco tirou a vida dos dois sacerdotes. Como se pode notar, nem mesmo os bispos estavam imunes à violência exercida pelo Estado e por grupos privados contra a Igreja Católica.

É importante ressaltar a necessidade de pesquisar com cuidado as mais diversas dioceses do país. Seria um meio prático para escapar das generalizações grosseiras que, embora estejam sendo combatidas em pesquisas recentes, ainda são muito difundidas na historiografia sobre Igreja e ditadura. Algumas delas, a título de exemplo: (1) afirmar que os bispos nordestinos tinham maior inclinação para o campo progressista; (2) defender que os bispos só passaram a denunciar tortura devido às pressões do papa Paulo VI; (3) generalizar as formas de intimidação contra os integrantes do alto e do baixo clero; (4) entender as pautas políticas dos religiosos das principais dioceses brasileiras como ilustrações precisas das pautas políticas levantadas por todas as dioceses do país; (5) silenciar sobre a postura política muitas vezes flexível de religiosos em razão de enquadrá-los em rígidas tipologias, renunciando assim sua necessária problematização.

Essas generalizações são problemáticas porque, dentre outras razões, obscurecem os casos particulares e acabam dando protagonismo excessivo para as dioceses teoricamente mais expressivas do país. Os dados, pelo contrário, chamam a atenção para os inúmeros antagonismos e a multiplicidade de “catolicismos” no interior da Igreja Católica. Todas essas questões puseram em dúvida até mesmo as sentenças que, baseadas com atenção especial nos relatórios da Comissão Bipartite, advogam não ter havido ruptura entre Igreja e Estado durante a ditadura. Nem mesmo o primeiro a levantar essa possibilidade, o historiador brasilianista Kenneth Serbin, nega que com exceção de alguns membros privilegiados da Igreja, ninguém mais do clero ficou sabendo da existência das reuniões secretas entre bispos e militares. Nesse sentido, pareceu ser questionável falar em Igreja no singular sem levar em conta a multiplicidade de “igrejas/catolicismos” no âmago da instituição. Isso igualmente serve para questionar qualquer tentativa de homogeneizar as formas de reprodução da religião na sociedade. Sendo assim, definir a religião como um mero sonífero para as massas ou como um fenômeno passageiro sem dimensão política e social é não captar sua dinâmica dialética, contraditória e essencialmente plural. Identicamente, observar nas mudanças de posturas política e eclesial de bispos e religiosos apenas “esforços estratégicos” fabricados por “conspiradores de batina”, que visam manter a influência milenar de sua instituição na tessitura social é fazer tábula rasa dos antagonismos presentes naquela esfera religiosa e dos reflexos das lutas de classe no interior da instituição.

4. Referências 

Michael Löwy. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000.

Isaías Carlos Nascimento. Dom Brandão, o profeta do Povo de Deus do Baixo São Francisco. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), 2012.

Hugues Portelli. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Paulinas, 1984.

Kenneth Serbin. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Osnar Gomes dos Santos é doutorando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (PPGH/UFPE). Integrou o Laboratório Interdisciplinar de Estudo das Religiões (LIER/UFAL). Tem experiência na área de História, com ênfase em Estado, Movimentos Sociais e Relações de Poder, atuando especialmente com as seguintes temáticas: política, religiosidade, marxismo, cristianismo da libertação e ditadura militar.

Caso queira divulgar sua pesquisa sobre temas relacionados às ditaduras latino-americanas do século XX ou sobre questões do Brasil contemporâneo, não necessariamente na área de História, escreva para o email: hd@historiadaditadura.com.br

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